sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O pôr do ser.

              Maria poente engravidou-se e ao invés de criar barriga, diminuiu-se. Esburacou um vazio em seu ventre. E a criança, que chutava o nada, era como a luz do luar, que ilumina o mar sem ter luz. Parecia uma barriga em eterno estado de lua minguante. E a menina se minguava.
           Nas conversas de família Maria Poente explicava É tudo uma questão de percepção. A lua cheia é a mesma lua que a minguante. Ambas são completas e redondas. A minha barriga está do outro lado, que ninguém vê, porque vocês ainda não sabem ver.
           Os vizinhos caçoavam, diziam que se dona Poente continuasse a se esburacar no ventre, viraria brinquedo de bambolê para as crianças da rua rodarem.
           A sua mãe, ao faxinar a casa, sempre procurava a barriga perdida, devia de estar em algum lugar, mas nada achava. Desejo a menina também não tinha, nem comidas escamosas de madrugada, nem guloseimas cremosas na alvorada.
              Os médicos vinham de todo lugar e faziam juras, planos e mandingas, todos queriam estudar o vazio de Poente, queriam solucionar o enigmático problema e encontrar a barriga sumida.
               Deixem essa criança não estar, que assim ela fica em melhor lugar. Minha não barriga não é problema, só está do outro lado. Problemas mesmo são essas verdades espaçosas que não deixam quem é da mentira viver.
               A criança nasceu e ninguém viu. Nasceu tão vazia quanto a barriga, nem arrebentou o choro na madrugada. A avó não deu a benção, o padre não a batizou, o médico não bateu na sua bunda três vezes. Somente Maria Poente conseguia ver sua cria e carregá-la no colo, trocar a frauda, dar de mamar, ensinar as palavras.

          Vocês só sabem olhar com olhos que procuram a falta e assim nada veem. Essa criança invisível é tão completa que ninguém consegue ver. O dia em que as pessoas conseguirem ver o todo, palco e bastidor, quando essa gente tonta puder ver a completude da lua minguante e saber dar a volta e ver o que tem do outro lado, assim, talvez, a terra nascerá outra, duas vezes iluminada.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Do início das cores

A nudez
em frente a tela branca
nos pelos
dos pincéis.

Invisível ação.

O ponto não se faz pronto
nem um traço
linha e liberdade.
O branco encruzilha as palavras
as letras e suas cores complementares.

mas um instinto transpassa a fronteira
como uma avalanche
de tinta à óleo
descendo a ladeira.
Uma montanha de neve.
A palavra chama a palavra outra.
como a cor que existe no contraste.
Uma pincelada chama a pincelada outra.
A tela branca já não impede
O magenta impele
uma canção entoa
e uma paisagem começa a nascer
como se fosse uma obra de sete dias.

domingo, 23 de novembro de 2014

A anunciação de todos os dias.

             O dia estava no seu fim, e Ana também.
            Entrou esbarrando nas pessoas, ouvindo e recebendo xingamentos, dando e levando empurrões. O mundo selvagem não lhe dava folga nem dentro do ônibus, na volta do trabalho. Ana sobrevivia como podia, apesar de quase nada poder e morria mais do que vivia. Conseguiu chegar ao fundo do ônibus e lançou seu corpo passivo na poltrona, como se fosse uma carne de açougue, já longe de um ser e de uma alma.
            Esse era o único momento do dia em que Ana podia pensar. Durante o dia ela trabalhava no restaurante e à noite ela cuidava dos filhos. A viagem de ônibus era um ritual de passagem, em que Ana não sabia se mergulhava em seu íntimo ou se fugia do que era ela.
            Estirou-se na poltrona como se fosse uma rainha. Descalçou os chinelos e subiu o vestido na altura da coxa, pensando ter vinte anos. A sacola da feira estava no chão. Um repolho de pele enrugada e feia, berinjelas caídas próximas ao umbigo e jabuticabas sem cor, de olhar nulo. Na mão segurava um pepino que não formaria o jantar, nem o almoço. Era apenas um objeto fálico que Ana alimentava, no ônibus, seu outro apetite.
            Ana sabia que era invisível, por isso ousava em suas atitudes durante a viagem. Encarava todos os homens dentro do ônibus e inalava o cheiro de cada um, distinguia-os entre os que trabalhavam carregando coisas na rua e os que ficavam dentro de escritórios. Mas todos poderiam ser seu pepino. Ana preferia os homens em pé, assim poderia analisá-los dos pés a cabeça. Excitava-se com aqueles de braços levantados e musculosos, com um pedaço da barriga à mostra e uma imensidão de prazer. Nesses momentos Ana experimentava movimentos acrobáticos com seu objeto. Ela queria jogar seu corpo apático e passível, sem energia alguma, no colo de algum daqueles distintos personagens que enfeitavam sua viagem. Ela subia ainda mais o vestido e imaginava todos os homens entrando ali, até o motorista e o cobrador. As pernas abertas para a visita entrar. O ônibus pararia e eles ficariam ali para sempre, sem emprego e sem filhos, era o que Ana pensava.
            Mas logo o pepino caía, murchava, e o vestido voltava a encontrar os pés.
            O cansaço fazia Ana pensar em lamentações. Não sabia por que trabalhava tanto, por que o filho ainda não aprendera a ler, por que o marido não havia voltado para casa depois de três anos. Pensava na sua condenação, na vida que carregava - e como era pesada. Nesses momentos lembrava-se de Maria, a mãe do menino Jesus. Maria também sofreu. Ela deveria ser feliz, deveria cantar e dançar com José, ir ao parque, comer sorvete de creme e namorar de mãos dadas. Naquele tempo não havia trânsito, nem ônibus lotado de gente cansada, tudo era mais fácil. Mas o arcanjo Gabriel entrou pela janela com suas asas de pássaro silvestre e lhe anunciou a vinda de Cristo. Maria estava sentada e quando levantou já carregava a vida crucificada na barriga. Ana carregava nas costas, como se fosse uma punhalada não avisada e não um presente divino. Ana não teve anunciação nenhuma e não entendia o seu carma. Carregava um castigo e não uma salvação. E se Maria tivesse dito não ao arcanjo Gabriel? Sem dúvidas sua vida poderia ser mais leve e seu pepino mais saboroso.
            Ana olhava para a janela do ônibus e não via nenhum arcanjo. Ana olhava para o céu e não enxergava nenhuma esperança. Pensava em seus filhos em casa. Coitados! Teriam também o mesmo destino do filho de Maria?

            O final da viagem chegaria e Ana desceria do ônibus cambaleante, o cachorro da vizinha latiria incessantemente, como fazia todas as noites. Os filhos a aguardariam ao redor da mesa e os três seres esquecidos jantariam juntos, sem conversarem sobre o dia, que tentavam esquecer. No dia seguinte Ana sairia para trabalhar e não se despediria dos filhos, que ainda dormiam. O cachorro latiria e a porta do ônibus se abriria para mais um desafio, como fazia todos os dias. O sol também nasceria, lindo, quente, brilhante e único, mas Ana, mais uma vez, não o veria.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O retorno a ausência.

Leonard acordou ofegante, mais assustado que cansado.
Suas mãos pareciam calejadas. Estavam tensas, procurando algo para se apertarem, para redescobrirem a existência.
Vagarosamente Leonard retomou a consciência, como se ela estivesse ao alcance das mãos e dos olhos, ao lado de Kafka, sobre a cabeceira da cama.
Ainda era noite e o quarto permanecia num breu quase total. Talvez por isso, e essa foi a explicação que Leonard lhe deu, a consciência não funcionou como antes. Algo estava fora do lugar. Não fisicamente, as pernas não foram substituídas por patas de um inseto monstruoso. O que saíra do lugar foram certas verdades estruturais, como se suas colunas gregas estivessem em destroços.
Deitado na cama retomou o sonho que tivera durante à noite.
Na viagem noturna sonhara que era um macaco. Todos os seus pelos cresceram, ele se sentia confortável. Os braços aumentaram, ele se sentia forte. Mas sua racionalidade continuava a mesma. Mantinha sua memória de homem do séc. XXI. Assim, Leonard desfrutou das vantagens de ser um macaco.
Vivia na floresta e era o único animal que reinava naquele habitat que parecia imenso e quase infinito. Para todos os lados eram árvores, todas crescendo e frutificando.
Para se locomover Leonard não usava as pernas, não conseguia ficar ereto. Desenvolveu uma técnica muito mais eficaz, usava a força dos braços para pular de cipó a cipó, era como se voasse entre as árvores. Com as mãos tensas o novo macaco segurava-se num cipó e depois em outro e depois em outro. Os cipós, não resistentes a força do macaco, sempre caíam. Para Leonard não cair, para não despencar de sua nova existência, apertava ainda com mais força, num cipó ainda mais alto.
Quando a racionalidade do homem do séc. XXI veio à tona, vencendo o instinto animal, Leonard percebeu que estava preso na floresta, refazendo os mesmos movimentos. Que um cipó só levava a outro cipó. As paisagens eram sempre repetidas.
Nesse momento de iluminação um cipó jogou Leonard, violentamente, sobre uma biblioteca. O homem caiu sobre milhares de livros e quando percebeu estava mergulhado numa biblioteca que parecia ser infinita.
            O homem ficou feliz de ter novamente suas mãos delicadas e seu polegar opositor. Movido pelo instinto Leonard andava de livro em livro, pulava de teoria em teoria. E assim, como os cipós, as teorias caíam. As verdades despencavam e Leonard, para também não cair, agarrava-se ainda com mais força em outro livro.
            Não existiam evidentes diferenças entre o macaco e o homem, nem entre os cipós e os pensamentos. Os pensamentos, no sonho de Leonard, eram como frutas no pé de uma macieira, que duram seu tempo e depois caem. Como tudo na natureza. Assim, o homem, para não cair, pula de pensamento em pensamento e quando um cipó quebra e cai, o homem se agarra em outro, fantasiando um movimento linear e evolutivo.
            Todas essas imagens e incompreensões permearam os pensamentos de Leonard por um longo período após seu despertar.
            Até que a alvorada veio anunciar mais um novo dia e o sol raiou iluminando o quarto ainda escuro, revelando aos poucos os livros na estante.
            Leonard, com medo de repetir os caminhos, levantou e fechou a janela.

E caiu.

Minha metáfora

Eu fico parado
sentado num banco qualquer
vendo tempos, lugares, amores.
Todos passam
as oportunidades são mais leves que o ar
as portas abrem e fecham
e não me fazem sair do lugar.
Tudo passa, segue seu movimento
linear e uniforme.
Já eu sou um ponto que não se move.
Só eu que permaneço sentado,
num banco,
ou numa janela debruçado.


Essa é a minha metáfora.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Pássaro azul

Uma gaiola
perdura
sobre o vão da janela
pelo chão da rua.
Amanhece e anoitece
Guarda a lua, o sol
a chuva.
Prende e solta o ar.
Uma gaiola
livre,
quase inexistente,
convida a ir mundo afora
qualquer pássaro azul
que existe em mim.

Vida imitando arte

O girassol comeu
tinta ainda fresca
O girassol cortou
a própria orelha

terça-feira, 22 de julho de 2014

A estrada


           Hoje completa 17 anos que não vejo minha mãe. Nesse período já almocei com ela, é verdade. Também dormimos sob o mesmo teto. Festejamos natais e finais de ano. Mas por mais que se renovasse o ano e que a década mudasse, era impossível vê-la e senti-la novamente. Meus olhos desaprenderam a enxergar minha mãe. Já não podia encará-la. Aqueles cabelos castanhos, o rosto não tão juvenil, os longos dedos dos pés, como os meus, não mais constituíam minha mãe. Sua subjetividade transfigurou-se. Aquela que eu conhecia morreu e esta eu ignoro, como se entre nós existisse quilômetros de distância e décadas de anos, um muro intransponível.
            Estar ao seu lado é voltar a minha infância, retornar ao sítio dos meus avós, na desastrosa tarde de 21 de julho de 1954.
            Era férias da escola e, como todos os anos da minha infância até então, visitávamos nossos avós no interior do estado. Toda a família: Eu, meu irmão Victor e meus pais. Eu adorava a mudança de paisagem, de repente o cinza claustrofóbico dava lugar a um verde longínquo e suave. Adorava também os animais. Correr atrás das galinhas, dar lavagem aos porcos, passear com o Tio Bento a cavalo, guiar todo um grupo de ovelhas. Amava o bolo de milho da vó, assim como o queijo colonial e o leite fresco da vaca. Amava as histórias que meu avô contava. Eu subia em árvores, comia frutos do pé sentado nos galhos e, lá de cima, observava o mundo. Tudo parecia perfeito. Assim como eu adorava tudo, tudo e todos também me adoravam. Eu era o filho engraçado, inteligente, educado e trabalhador. Uma criança abençoada, como minha avó dizia.
            Victor não, meu irmão não gostava do sítio, nem dos animais, nem das comilanças do café da tarde, muito menos dos abraços apertados da vó. Sempre se trancava no quarto e seu lugar ao redor da fogueira, para as histórias do vô, sempre estava vago. Na cidade Victor também nada amava. Odiava a escola, fugia das aulas, brigava com os colegas. Zombava dos professores e de qualquer regra.
            Victor era dois anos mais velho do que eu. Ele tinha 14 e eu 12 na tarde desastrosa. Nossa relação era boa, quando ele brigava com meu pai e minha mãe ficávamos no quarto conversando. Ele me contava suas histórias com cigarros, meninas e festas, lugares desconhecidos na minha infância ingênua e cristã. Ele era filho da rua, eu era filho da mamãe.
            Na tarde do dia 21 eu estava brincando com a vaca berlinda que pastava perto da casa principal do sítio, a cerca de 20 metros. Apenas uma estrada dividia o pasto da casa. Meu pai e minha mãe estavam na cozinha, era aniversário da minha avó e logo almoçaríamos juntos. Minha mãe sabia que eu estava ali, perto da casa, perto da estrada. Victor tinha saído para fumar escondido e perambulava pelo sítio. Meu irmão tinha a habilidade de se camuflar na mata, somente eu sabia que ele fumava naquelas tardes invernais. Foi exatamente nesse momento quando tudo aconteceu, quando um céu vermelho caiu sobre nossas cabeças, quando qualquer sentido se fez desentendido e o seu valor morreu. E tudo que eu adorava perdeu o encanto. E tudo que era perfeito tornou-se insuportável.
            Eu estava dando pasto na boca da berlinda quando escutei o barulho. Primeiro um freio de carro, depois um grito e por fim um som seco de batida. Como o som do machado que atravessa a lenha. Aquele foi o som de um carro que atravessou meu irmão. Em mim também, algo me dividiu e separou-me para sempre de mim. Em poucos segundos todos nós estávamos ao redor do corpo, eu fui o primeiro a chegar e o primeiro a chorar. Com um punhado de pasto na mão pude ver minha mãe sair da casa numa corrida desesperada, ela previa alguma coisa: que eu era o motivo da freada abrupta do carro. Aqui, foi a última vez que vi minha mãe, depois jamais pude vê-la novamente. Ela saiu da casa com a mão no coração e com os olhos lacrimejantes, primeiro olhou meu irmão no chão, com a sua conhecida camisa preta do Led Zeppelin e quase irreconhecível com o pancada, depois olhou pra mim, que chorava ajoelhado e olhava-a no fundo dos olhos, buscando uma salvação para tudo aquilo. Quando viu aos dois filhos a sua frente, numa ação impulsiva, ela sorriu e agradeceu a Deus, como se algo bom tivesse ocorrido. Eu, e somente eu, pude ver o sinal da cruz que ela fez em forma de agradecimento. Minha mãe, diante de meu irmão morto no chão, agradeceu a todos os santos por aquele corpo ali desconfigurado não ser o meu corpo. Tudo isso demorou segundos, talvez dois ou três, logo depois ela voltou a se desesperar e a chorar impulsivamente pela perda inesperada do filho, pela tragédia. Todos não acreditavam no que viam, todos choravam ao redor de meu irmão. Eu permaneci parado, com o pasto na mão, sem querer acreditar no que eu tinha visto, que minha mãe sorriu ao saber que quem morreu foi meu irmão.
            Os anos se passaram, mas não consegui superar aquela imagem. Ela sabe que eu sei, ela sabe que eu vi e nada pode ser feito nem compreendido. Esse é o nosso segredo, não porque queremos guardá-lo, mas porque faltam palavras para dizê-lo. Nunca conversamos sobre o assunto, como se a pancada do automóvel ainda nos atingisse.
            Um segredo que condenou a mim e a minha mãe para o resto de nossas vidas.
            Depois daquele desastre nunca mais consegui atravessar a rua e encontrar minha mãe.

            

A caminhada

         Eles caminhavam sobre as dunas.
     Um sol de fevereiro penetrava nas entranhas das rugas mais profundas, iluminava qualquer intimidade, esquentava qualquer azul. Não só a testa, mas todo o corpo suava, como se fosse o meio de um rio, de água corrente, sem repetir suas águas e sua história.
     O casal seguia lentamente, afundando passo a passo, sustentando um peso dobrado nos pés. Caminhavam sobre as dunas em direção ao horizonte estava tão longe.
       Já não se chamavam pelo nome, qualquer coisa inominável dominou a relação. Eram dois corpos no meio do deserto.
      Eles se amavam, não duvidavam disso. Não igualmente, o que receberia uma conotação de falsidade, amavam-se mutualmente, reciprocamente. Os dois únicos cúmplices da existência um do outro. Ela não saberia dizer se conseguiria anoitecer sem sentir o odor de velhice impregnado no travesseiro do companheiro. E ele não saberia amanhecer sem a mistura de cheiros do café recém-passado e da casca de tangerina vindos da cozinha.
       Naquela tarde eles completavam bodas de ouro e caminhavam sobre as dunas. Já não era mais possível correr como antigamente, a vida era lenta. Ele usava um terno marrom escuro com gravata borboleta vermelha. Na cabeça, não apenas para proteger do sol, mas porque era sua característica marcante e seu charme juvenil, o ancião usava seu chapéu panamá, devidamente surrado com o passar dos anos. Ela usava um vestido longo vermelho, para combinar com a gravata borboleta, e um colar que ganhara do pai no dia de seu casamento. Ambos estavam descalços e queimavam os pés na areia.
        Eles caminhavam sobre as dunas, sob um sol de 40 graus e contra o vento. O vento soprava e entoava canções longínquas, quase infantis. O casal caminhava de mãos dadas, subindo e descendo morros. Até que a canção cantou distinta, de um tom que lançou o chapéu panamá nos ares. Depois de anos o casal parou a caminhada, ele pôs a mão na cabeça e não encontrou o chapéu. Sem olhar para a esposa, sem um abraço de despedida, sem uma frase consoladora, o ancião soltou a mão dela, virou as costas para o horizonte, mudou de direção, e caminhou para buscar o chapéu, levado pela direção do vento. O velho seguiu seu galope sem olhar para trás, e quanto mais andava mais o chapéu corria para longe. Ela ficou ali parada, com as mãos vazias e com um vestido e uma vida que já não combinavam mais com nada. Ele não alcançou o chapéu.
        Ao longe ela via-o esfarelar-se, aos poucos já não sabia distinguir amor e areia. Ele sumiu sem pausas, só com a possibilidade de ida, como é a vida, ou, como é a morte.



segunda-feira, 30 de junho de 2014

Ciclo

A manhã
adentrou as janelas
da rua, da casa, do peito
ascendeu a casca
acendeu o dentro
de tamanha luz
que não anoitecerei
Amanhã.

domingo, 22 de junho de 2014

Do desejo

O desejo é quando a
fome se alimenta
de mim
                e vivencio um desfazer-se
                num descaminho
                sem meta
                nem física
                um palmo
                palpite
                gravito
                engravido
                da nuvem
                no céu
                de Magritte
sou posse
de um poço
sem fim.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

el camino. el cariño.

Abel era um homem melancólico, de olhos melancólicos, barba melancólica e trajes pretos melancólicos. O andar, também melancólico, imitava a estrutura arcada de um guarda-chuva, inclinado para si. Beatriz dizia que era culpa da poesia, o pai passava os dias na biblioteca de casa, mergulhado nos livros empoeirados. Com os anos já não era possível ficar em posição ereta.
Na triste manhã de 14 de junho de 1986, na saída do velório de sua esposa, esta foi a visão que impressionou Julio Borges: os olhos lacrimejosos de Abel, que guardavam uma solidão sólida e soberana, como a infinitude dos oceanos. Sobre a cabeça do velho enigmático, o guarda-chuva imitava seu corpo, como se um fizesse companhia para o outro. No portão do cemitério os dois se abraçaram, sogro e genro. Com a troca de calor complacente ambos compreenderam a própria dor, por meio da dor do outro. Deram-se as costas e cada um, seguindo seu caminho, carregou consigo a fadiga da perda e o vazio da solidão. Em suas cabeças, filmes foram projetado em tela de cinema: Beatriz acordando, Beatriz comendo, sua voz com gosto de primavera e seu cabelo com cheiro de jasmim. Um a recordar da filha, outro a relembrar da esposa. Na porta de casa Borges desejou que o abraço de despedida durasse mais tempo.
Em 1987, uma semana antes do aniversário de um ano da morte de Beatriz, Julio B. voltou a recordar de sua ex-esposa como se ela estivesse ido ao mercado e logo voltaria com os legumes frescos. Ou como se estivesse na casa do pai, ouvindo o velho ler poesia, sentada em seu colo, como sempre fazia. Lembrava até mesmo de Luis Jorge, o filho que um dia sonharam ter. No devaneio da madrugada e pelo implacável passado que entrava pela fresta da janela, J. Borges decidiu visitar o sogro e a antiga casa em que Beatriz morou quando criança. Só o velho Abel saberia brindar com devida dor a taça de vinho que sua amada merecia para comemorar essa data.
Porém, a sensação de rever o sogro preenchia o sono de Julio Borges de pura cólera, com repentinos calafrios que faziam seu corpo suar. Por dois dias não foi ao trabalho, a febre não o deixou sair da cama.
Borges e Abel nunca estabeleceram uma relação amistosa ou diplomática. Apesar das tentativas frustradas de Beatriz para aproximar pai e marido, os dois mantinham o silêncio, como se nada tivessem para falar, para contribuir, para trocar. Um não agia sobre o outro, eram forças opostas, universos paralelos.
Abel, apesar de cultivar o costume do silêncio, num certo dia, confessou a filha que a presença de J. Borges o incomodava profundamente, era como se o genro o encarasse a todo momento, como se roubasse seu espaço no mundo e seu ar para respirar.
Apesar das diferenças os dois compartilhavam duas coisas: o amor por Beatriz e a solidão crônica.
Mas o encontro aconteceu, Borges ligou para Abel e tremeu ao escutar a voz rude do sogro pelo telefone.
Como combinado e exatamente no horário programado, J. Borges, às 20h, tocou a campainha da imensa casa da rua Aleph. Na mão, segurava O retrato de Dorian Gray.
Abel abriu a porta com um sorriso cortês, mas forçado. A musculatura de sua face já não sabia articular os movimentos precisos para um sorriso. Ao olhar o jovem em sua frente, percebeu que o pobre homem envelheceu uma década em apenas um ano.

Este livro é para você, sei que gostas de ler.
Sim, muito! Uhm, Oscar Wilde, interessante
Um clássico.
Sim, você já leu?
Não.
Então fique, tenho todos dele. Wilde teve uma vida extravagante e muitos amantes.

A porta fechou-se e os dois entraram. A casa parecia estar desabitada, com uma aparência fantasmagórica e abandonada. O próprio Abel parecia estar desabitado. O velho seguiu na frente, com andar pesado e lento, sem pronunciar uma única palavra. Vestia preto e sua barba ruiva iluminava a escuridão da casa, como a lamparina na parede. Seguiram até a biblioteca, por minutos, que para Borges, pareceram durar a eternidade, já não sabia se teria sido uma boa ideia o encontro.
Café era a única bebida que tinha na casa. Tomar café era como beber o véu negro da morte e saborear a mentira da eternidade. Na biblioteca, cada um com sua xícara, os dois sentaram-se em mesas diferentes e desenrolaram confissões sobre Beatriz, esvaziaram-se de toda palavra acumulada durante o ano. Falavam como quem fala para si mesmo, num processo terapêutico que perdurou duas horas.

Sabe, todos esses livros que aqui estão, todas essas estórias e devaneios. Falam de tudo muito bem, amor, natureza, ódio, doença. Só da morte que não, tudo não passa de suposição imagética, delírio, por isso, a morte, é a única experiência verdadeira, é o maior êxtase da literatura.

Após a quinta xícara de café, Borges decidiu ir embora, eram dez horas da noite, mas não tinha noção do horário. O tempo, ali, não seguia uma linearidade, era como uma espiral, independente da cronologia. Com Oscar Wilde embaixo do braço, com um aroma de café na boca e com um alívio no coração, Julio B, voltou para seu apartamento. Na cama, não soube saber se não conseguiu dormir devido as xícaras de café ou devido a luz da barba ruiva que ainda iluminava seus olhos. Ainda na biblioteca, Abel dormiu com Oscar Wilde.
Tanto em 1948 quanto em 1949, as visitas anuais seguiram. No dia 14 de junho as portas da mansão da rua Aleph escancarava-se para o único visitante que ali entrava. Motivadas pela morte e pelo café, as conversas, sempre tematizando Beatriz, se davam com tamanha intimidade e naturalidade que os dois pareciam estabelecer uma relação respeitosa de pai e filho. Nessas visitas já não sentavam em mesas diferentes e já conseguiam se olhar nos olhos. Abel não sabia explicar ou entender o porque da expectativa excitante que o dominava em todo início de junho.
Em 1950 Borges tocou a campainha mais cedo, na mão, uma garrafa de vinho e na face uma juventude que desabrochava após a eliminação de ervas daninha. Uma voz bradou de dentro da casa, a visita obedeceu a ordem e entrou.
Abel procurou na biblioteca, mas nada encontrou.

Estou na cozinha, ao lado da sala principal.

Era a primeira vez em que Borges pisava sobre um caminho que não o levava até a biblioteca. Na cozinha, Abel, com um sorriso no rosto, vestia um avental sujo de sangue e segurava uma faca na mão. Um calafrio de medo percorreu a espinha dorsal de Borges, como quem visse um assassino.

Estou preparando o prato preferido de Beatriz. Todo ano, em seu aniversário, nós preparávamos esse banquete e comíamos na varanda da casa, no terceiro andar. Espero que gostes de carne de javali.

Ainda se recuperando do susto, Julio B. serviu em duas taças de cristal o vinho preferido de Beatriz. A casa já não parecia assombrada. Era bem arejada e exalava um aroma de livro novo ou tinta fresca, como uma arte prestes a ser criada. Abel já não estava desabitado, possuía um espírito virtuoso, um sorriso cordial e uma voz mansa e sábia.
Jantaram na varanda da casa, sob uma lua cheia. Conversaram sobre arte, política, sentimentos, sobre a existência humana e a complexidade da vida. Por um tempo, esqueceram-se de Beatriz.
Abel assustou-se ao ver o relógio, os ponteiros, silenciosos, marcavam as duas primeiras horas da madrugada, lá fora, iniciava uma chuva sonolenta. Após a quinta taça de vinho o visitante decidiu aceitar o convite do anfitrião de dormir em um dos quartos vagos da casa. Borges já havia bebido demais para dirigir.
Na manhã seguinte, os dois amanheceram diferentes, como se o sol do dia queimasse com um fogo mais vivo e um vermelho mais quente.
É certo que durante o ano de 1951 os dois pensaram em se ver durante outras datas, reveillon, páscoa, ou um domingo qualquer, mas mantiveram o ritual do 14 de junho, mais por medo do que por desejo. E assim mantiveram até 1958, quando o inevitável aconteceu.
Borges chegou no horário do almoço, como estava acostumado a fazer. Foi até a cozinha, até a sala de estar, até a varanda do terceiro andar, mas não encontrou Abel. O velho, com cerca de 65 anos, estava sentado em sua poltrona na biblioteca, lia com uma concentração espantosa, como quem meditasse, como se livro e leitor fossem a mesma coisa. O olhar decidido do velho revelava com uma sanidade assustadora o que Borges temia ver durante todos esses últimos anos.

Entre. Este livro era o preferido de Beatriz. Não havia uma vez que nos víamos em que eu não lia pelo menos um parágrafo dessas palavras. Fui presenteado com essa obra prima literária ainda muito jovem, por um padre extremamente sábio durante meio tempo de seminário. Ele me aconselhou a ler esse livro para as pessoas que eu amasse verdadeiramente. E assim fiz, até hoje só li para Beatriz.

Que bonito! Qual o nome do livro, qual o seu autor?

Não tem título, nem autor.

Depois de uma longa pausa, para que o silêncio fermentasse a palavra seguinte, Abel, olhando fixamente para Borges, disse-lhe.

Julio Borges, meu querido, hoje, o que eu mais desejo é ler e reler esse livro para você. Como eu fazia com Beatriz. E o motivo é apenas um, eu te amo verdadeiramente.

Borges não se surpreendeu com o que ouviu, parecia já ter previsto tais palavras. Caminhou lentamente até Abel e sentou-se no colo do homem, como Beatriz sempre fazia. O velho sorriu e iniciou a leitura. O livro não tinha estória, nem páginas, nem palavras, nem início, nem fim. Era como A biblioteca de Babel, de Jorge Luis Borges.
A partir desse dia Julio. B passou a morar na mansão da rua Aleph e a dormir na mesma cama onde a vida de Beatriz foi concebida.
Na verdade, os dois compartilhavam apenas uma coisa: o amor recíproco.










quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um dia frio.

Tudo é desenhável
enquanto não seja nada
enquanto não valha nada
enquanto não busque nada.

......

Sobre saudade

A chuva já cessou
a poça e a goteira ainda molham
mas é água
que não sacia a sede.

......

A justiça é mais violenta
do que o caos.

......

A literatura
já não está
além de mim

sábado, 12 de abril de 2014

Notícia: O menino que não vive sem água.

O menino, todos os dias,
caminha dez quilômetros
para pegar água no poço.
A água é utilizada para coisas básicas
e essenciais,
tais como:
Matar a sede
lavar o corpo
pintar com aquarela.

Achados no chão do caderno

O quadro do céu.

Sonhei que fazia uma cor no céu
na parede do meio dia
três pigmentos mesclados
Preto
a noite se fez assim.
A tinta ficou em mim
fiquei anoitecido rubro
E você, andorinha,
não pousou mais no meu jardim
voou para longe, além dos muros
outros oceanos
num céu azul ciano.
Hoje, as corujas me alimentam
e os vaga-lumes contam histórias
para eu dormir.

____

Eu não sei aonde vai
todo esse amor que se esvai
ex-amor?
Nunca mais?

____

Hoje o dia permaneceu nublado
também fiquei em cima do muro
entre a palavra e o silêncio
Não fui a outro lado
Além de mim
aqui.

____

Quem me dera
escrever coisa nenhuma
ver coisa nenhuma
ser nada mesmo.
Mas ser coisa alguma
dita meu destino,
então poetizo-me
que é ação de desperdiço
me encho de vazios
e nada fico
porque me quero
vivo.


Não importa aonde leva,
mas que seja um lugar
que continue a levar.

A cidade de Carolina.

Inspirado no livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.

A cidade de Carolina é composta por pessoas. Seus telhados, suas portas, suas paredes, seus alicerces, são pessoas. Culpa de uma arquiteta forasteira que passou por lá. Assim, cada lar é parte de cada sujeito, uma extensão da cor do olho, dos fios de cabelo, do formato do seio. Não existe mapa de Carolina, pois diariamente as ruas trocam de nome e de lugar. Cada casa muda de lugar com o seu dono, porque cada dono é o seu lar. Nada é estático.
Quando é dia de festas, todas as portas ficam abertas, e todos entram e todos saem dos lares de cada um. O um é o outro e o outro é o um. Os mais jovens sempre deixam as janelas abertas, que é para o vento nordeste sempre trazer uma novidade da capital, com sopros de aventura e revolução. E quando alguém se apaixona, os lençóis do coração são trocados, para o aconchego do amor.
Somente nas noites de lua cheia, os moradores de Carolina saem de suas casas. Nessas noites ninguém dorme. São tempos de limpeza, uma faxina do lar. Assim, cada um vai morar em seu sonho. E andam pelas ruas levando seus sonhos amarrados por um fio, como se estivessem carregando uma pipa. Caminham seguindo seus sonhos até a lua se desencher, até se transformarem em pessoas novas.
Nessa peregrinação, até hoje, ninguém sabe se são as pessoas que carregam seus sonhos pela mão ou se são os sonhos que carregam as pessoas pelo coração.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A construção do inimigo.

A posição do tiro está pronta.
O alvo, é questão de arte,
escolhe-se as cores, as massas, as classes,
dá-se os pontos, de acordo com as dificuldades
Só resta as mãos e os discursos
para manter o alvo na altura dos olhos
eis o suporte
bem delineado
ancorado, em terra de leis
sobre os ombros de pessoas de bem.
O povo clama
e o dardo em chamas
é posto em sua posição de fogo.
O povo
vende a liberdade
no sabor de sangue
na ação de justiça ou vingança
Arma, alvo e atirador
coesão e coerência fabricadas
...
mais uma festa de terror.

O saber da cor

A chuva desceu
e levou, lavou
todas as cores.
As coisas
pintadas de aquarela
desnudaram-se na rua
nuas
em plena luz do dia.
Nem sol, nem lua
retomou o que antes se via.

(branco)

Agora, só vê
quem aprendeu a cor
de cor
de coração.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Têmpera ovo

A manhã tardou a anoitecer
demorou-se criança
amarelo brilhante
perto do nascimento do sol.
Tudo tem seu tempo
a ser desfeito
e sua cor e ser acesa.
Na tela, o pincel titubeia
o movimento
pausa um momento
na encruzilhada da mão.
Tinta seca.
E o sol ganha mais um raio
mais uma sobreposição.
No horizonte
nenhum ponto noturno.




sábado, 15 de março de 2014

terça-feira, 11 de março de 2014

A poesia, no poema, inicia após o ponto.

Quando o ponto transpor seus limites
um grito rasgará o silêncio
a ponta se fará centro
e tudo que é exterior
também será dentro
o mesmo
enfim
texto.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Lar

A gente mora na procura da palavra
que é pior do que o silêncio
Moramos um no outro
quando se fecha o olho
quando se abre os braços
quando dormimos com o mesmo gosto
nus
nos carnavais sem folias
nas noites de agonias
de incompreensões
moramos no cachos loiros
na barba ruiva
na viagem planejada
nos encontros avulsos
na festa frustrada
A gente mora sobre a bicicleta
nas ondas do mar
nus
no refúgio na sombra
na luz do medo
no receio do feito
Moramos na nossa mãe
a gente mora com as baratas
dorme com os mosquitos
vive sorrindo
Moramos num apartamento no oitavo andar
numa quitinete
no alto do morro e no asfalto
num quarto que se abre em janela
numa cama torta
Moramos no sonho do outro
na flutuação
no voo
no mergulho em que a bunda aparece
na fantasia de baiana
na carnavalização da razão
na ilusão, do amor
no sabor, do amor
na corda bamba, do amor.
Nos bambas do samba
na casa de Noca
na casa nossa
A gente mora num peito cabeludo
na leitura de estudo
na leitura da poesia
na leitura de mundo
na reflexão de tudo
na euforia da cama
no pensar, no calar e no jejuar
Nos desenhos da parede
Moramos no nó que nos afaga
num nó que afasta
no abraço que esquenta
que alimenta a alma da gente
moramos em quatro olhos trocando olhares
em quatro mãos apalpando corpos
em duas bocas multiplicando beijos
na confusão das pernas
e das conversas
Moramos em corpos
com músculos e ossos
nos peitos pequenos
na cintura fina
no encontro da esquina.
A gente mora no que a gente construiu
na calçada

na sarjeta
na areia da praia
num precipício sobre os nossos pés
num caminho para a utopia
Na queda na pedra
no joelho ralado
na queda d'água
no cortejo cantado
nos sopros do pífano
nos passos de tango
no samba, no forró
e no sorriso fingido
no desentendimento estranho
moramos num acampamento
na lua cheia
na trilha perdida
no trilho de trem
na trilha sonora
na semana que vem
na veia
na aveia com damasco
Moramos nos olhos azuis
No poço azul
no buracão da cachoeira
guardados na chapada diamantina
protegidos pelos deuses
moramos nas letras
nas artes
no cinema, na música, nos malabares
no queimar do fogo
no queimar do gozo
no peixe cru
no beijo nu
na verdade crua
moramos numa arquitetura rizomática
sem paredes para a morada final
numa casa muito engraçada
sem nada
A gente mora no que nasce e morre
no que morre e nasce
no trigo e no pão
e em todos os frutos que brotam de nós.
Moramos na individualidade
que é o alicerce da relação a dois.