quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Presente nas estrelas. Presente no natal.



Era uma vez duas pessoinhas que moravam juntas numa grande casa. Apesar da casa ser grande, as pessoinhas não paravam de se pechar¹. Pechavam que se pechavam. Na cozinha. No corredor. Na sala de leitura. Até mesmo na hora de escovar os dentes eles se pechavam, e quando menos percebiam estavam enrolados, e lá iam as duas pessoinhas enroladas para a cama dormir, rindo que nem crianças devido as suas posições nada formais. Imagine se os vizinhos nos vissem assim pensava a pessoinha com peitos fartos, Eles sempre tão sérios, tão elegantes. Acho que eles não escovam os dentes, o que explica eu nunca os ter visto nessa inusitada posição e também nunca os ter visto sorrindo. Se não escovam os dentes como vão sorrir? Eles são tão elegantes. Acho que o que mais deixava a pessoinha de peitos fartos feliz era escovar os dentes. escovar os dentes e se enrolar com sua pessoinha. Mas seus vizinhos tinham lá suas manias estranhas também. Um dia a pessoinha de peitos fartos, a mais faladeira, quase perguntou para o Sr. vizinho qual era a sua religião, pois todas as noites, no mesmo horário, durante duas ou três horas, o casal elegante, cada um sentado no canto do sofá, sem trocar uma palavra sequer, ficavam obedientes olhando para um quadrado reluzente. Primeiro a pessoinha queria perguntar se aquele quadrado reluzente era Deus, mas ficou com vergonha. Depois queria perguntar qual era a religião do casal elegante, mas também ficou com vergonha, essas coisas são tão complexas. A pessoinha de pelos negros por todo o corpo não amava tanto escovar os dentes, sim, ele gostava, afinal ele gostava de tudo que deixava a pessoinha de peitos fartos feliz, mas o que mais a pessoinha de pelos por todo o corpo gostava era olhar o céu noturno. Passava horas olhando para as estrelas, para o vão noturno, com os dentes bem escovados e enrolado com sua pessoinha. Gostava de ficar olhando o que ele não conseguia ver. Teve uma noite que a pessoinha de pelo por todo o corpo sentiu-se flutuando entre as estrelas de seu negro céu, então ele era vão também, e de tão enrolado que estava com sua pessoinha os dois pareciam apenas uma única pessoa. E a pessoa era múltipla por natureza. Sem pijama, sem chão, sem tempo, sem nada e múltipla. E o prazer do dente bem escovado somado ao prazer do aroma das estrelas permearam os corpinhos desconhecidos, desconhecidos porque eram formas únicas e porque desconheciam qualquer coisa já sabida nessa terra. 

Foi então que o Deus do vizinho falou alto e os ofereceu uma máquina de lavar roupa por apenas R$ 599. Era queima de estoque.


¹Esbarrar, segundo um casal de velhinhos de São Bento Baixo.





segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Porque Ela é Ela, Porque Eu sou Eu.



 A ARTIFICIALIDADE CONSTITUTIVA.

O que eu gosto na linguagem, na palavra, não é especificamente a palavra e seu corpo bem definido e seus sentidos indefiníveis, mas suas histórias. Seu tempo quando era pequenina, ainda criança. Seus tempos rebeldes, de seguir a modinha, ser tendência, como aquela vez que caiu na boca do povo, e de tão falada a pobre perdeu seus sentidos. Gosto mesmo é do que está por trás dela.

         Gosto de imaginar o quanto ela já foi usada, cotidianamente, gasta pelo sol forte, pela chuva, pelo vento e pelo homem. Palavras que gostam de sair à noite e outras que acordam cedo, aparecem logo de manhã. Penso em quantas vezes ela já foi jogada fora, sem cerimônias, depois da briga. Reflito quantas vezes foi discriminada injustamente.

          Acho que contigo não poderia ser diferente. Não me apaixonaria a primeira vista. Não me apaixonaria por seu corpo bem definido. O sentido, a graça, o valor não está nele. Atrás das letras está todo o sentido.

          A tua boca sempre será a tua boca. Seu pé sempre continuará feio. Sua pele branca e os seus olhos azuis, isso eu posso ver e todos podem ver. O legal está por trás de tudo isso, pois quando vejo os seus olhos, de longe, o que vejo são os meus olhos, é tudo meu, da minha cabeça, e no fim me apaixono pelos meus olhos.

           Agora, o seu gosto por purê de batata, o seu cuidado dedicado pelas plantas, e o seu desejo de ver um mundo melhor, são incrivelmente apaixonantes. Esses tais despropósitos apaixonantes. Essas histórias que se transformam e se acumulam a todo tempo, sem ordem cronológica, as quais eu jamais vou conhecer e compreender por completo, mas que servem como chão para a minha caminhada.

            É engraçado, me apaixono por ti com as minhas palavras e com as minhas leituras. Parece chato não é? Mas a graça está por trás de tudo isso.

             É a artificialidade constitutiva.




                  
PARA O CAFÉ DA MANHÃ.

Que o alimento seja farto
Mas que não nos fartamos dele
e que jamais seja desperdiçado no canto do canto do prato, esquecido,
pois bem sabemos que pessoas passam fome.
Que a fartura não se transforme em dependência entre quem dá e recebe.
Pois o amor é um alimento energético, de cadeia longa.
Faça com que o banquete transcenda qualquer mesa.
Pois não se pode moldar o amor com base no tamanho do prato e nem da mesa.
E que a base desse alimento esteja enraizada numa areia movediça, pois assim ele é livre.
Que não seja preciso fazer uma dieta balanceada,
pois a liberdade de se alimentar não deve resultar em azia, ou enjoo.
E que o coração compartilhe o alimento com a boca e com o estômago, pois é preciso fome.
E que meu amor te alimente corpo e alma
Mas que esse amor nunca sacie a sua fome de amar.
Pois a cada café da manhã estarei lá.
E que não tenhamos boas maneiras para comer, pois é necessário poder falar com a boca cheia. Eu te amo.




domingo, 25 de dezembro de 2011

Arquivos empoeirados. Perto dos meus 15 anos.

Uma experiência interessante é abrir os velhos arquivos e ler aquelas antigas escrituras, perto dos meus 15 anos. É tão engraçado quanto folhear o velho álbum de fotografias e rever aquele estranho desconhecido. E perceber que não há mais nada de você ali.


A POESIA MAIS BONITA DE SUA VIDA.

Ei, você! Você mesmo que está lendo agora.
Queres ler uma poesia?
Previno-te então.
Aqui não vais encontrar nada de bom.
Mas e a poesia?
Deixe eu pensar...
Faça assim.
Olhe para o lado direito.
Achou algo?
Uma praia? Pôr do sol? Arco-íris? Amor de sua vida?
Nada? Que azar!
Olhe para o lado esquerdo então.
Procure algo tão lindo quanto uma poesia.
Alguma flor? A Lua cheia? Estrela cadente?
Nada de novo? Que tristeza!
Não fique assim triste, vou te ajudar.
Olhe para cima.
Só o teto de concreto?
Desculpe-me...

Já sei. Como não pensei nisso antes.
Tão simples.
Faça assim, abaixe a cabeça.
Olhe em direção ao seu peito.
Agora vire a cabeça um pouco para a esquerda,
Ali mesmo, ali dentro tem um coração.
E ele lhe contara a poesia mais linda de sua vida.


ADVOGADO DA TRISTEZA

Basta!
Pare com tristezas.
Não quero mais escritores tristes.
Fim de palavras e poemas que almejam o sofrer.
Para que tanta tristeza?
Vamos pular e rir o dia inteiro,
com o coração leve e a bondade nos gestos.
Mas espere...
Por onde anda a alegria?
Estou só,
A tristeza é minha única companhia.
Uma conselheira entre a inquietação de quatro paredes.
Uma perfeita acolhedora em todas as noites que perdi o sono por alguém,
Ou quando todos simplesmente me abandonaram.
Será que a alegria tem poder suficiente para ser nosso único sentimento?
Será que seria legal ser sempre feliz?
Será que nossos olhos não secariam caso sorríssemos eternamente?
Como a alegria se comportaria diante de uma derrota?
Eu quero é ser triste.
E quando a alegria chegar,
guardo minha companheira sob meu travesseiro.
Canto, danço, pulo, rio, faço, beijo, brinco, vejo, amo.
E no momento em que a alegria me der um pé na bunda,
a tristeza estará lá me esperando sob meu travesseiro,
de braços abertos.
Pronta para me afundar sobre a cama, escurecer minhas olheiras, enfraquecer meu corpo.
A tristeza é a mais fiel companhia.
Tem coisas que foram criadas em homenagem a tristeza,
como a solidão, a saudade, a ação de chorar.
O dia negro e chuvoso.
O amor não correspondido.
Ou até mesmo esse poema.
E o ser humano?
Ora,
Fomos criados para brincar de sermos felizes
E esconder que por alguns momentos somos apenas tristes.


MOMENTÂNEO

Ontem mesmo, me surpreendi com minha maturidade em encarar a vida,
Onde há 48 horas era pura decepção com minha fraqueza e incapacidade de me adequar à realidade imposta.
Minhas atitudes são momentâneas.
Hoje acabo de esquecer algo que por anos foi o meu maior desejo.
E me prometi a conhecer algo novo.
Meus desejos são momentâneos.
Tenho mais de um melhor amigo, e já tive vários amores eternos.
Meus sentimentos são momentâneos.
Ontem acordei cedo para ver o sol nascer. Hoje, sob o cobertor, desejei que o dia não amanhecesse.
Meu humor é momentâneo.
Pensei em ser médico, professor, escritor, pensei em comer e dormir o dia inteiro.
Meus pensamentos são momentâneos.
Fico irritado com minha teimosia de estar sempre certo, eu serei sempre assim.
Até o sempre é momentâneo.
Ontem corri atrás do meu futuro.
Hoje olho meus álbuns de fotografia.
E amanhã será outro e diferente momento.
Nada pode ser definitivo.
Pois dizem que a vida é momentânea.


PIPA AMARELA

Corro atrás de meus ideais
jamais estou atrás de algo.
Tenho noção do pisar de meus pés
Até meu futuro posso controlar
Como uma pipa amarela entre as nuvens
Que baila no azul de acordo com minhas forças.
Não tenho forças.
Meus pensamentos movem meu corpo e alma
Minha inteligência detalha todos os meus passos
Construo o caminho mais digno e sábio.
A vitória não é digna quando os derrotados já são perdedores.
Minha única batalha é com meu espírito
Pois inimigos não nascem, são criados.
E minha máquina não fabrica inutilidades
A dignificação de um homem não se trata da altura hierárquica em que se apresente
Nada adiantará ser o topo de uma torre podre, sociedade mendiga.
Com portas roubadas e tijolos feitos de pessoas vendidas
Afinal, a visão desse lugar é grotesca
Não sou digno por estar vivo
Rejeito-me ser digno de tal maneira
Jamais subirei em seus ombros comprados
para roubar a imensidão das estrelas
Minha pipa conduzi-la-á para a palma de minha mão
E meus dedos iluminarão os oprimidos
A luz guiará os miseráveis
O brilho levantará os desacordados
Realizarei mil milagres, porém os milagres não serão a mim concedidos
Eles ridicularizar-me-ão e viverei para sempre na escuridão.
Onde os ditos homens dignos
espalharão solo seco sobre meus olhos bem abertos
E finalmente serei digno
Pois a dignificação de um homem é não ser homem
A dignificação de um homem é ser santo.
E por fim minha pipa amarela
beijará o chão que você pisa sem ter a mínima noção. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O retirado Severino

Se é de amor que o homem vive
é amor que nessa vida devo buscar
é para pescar amor que devo lançar minha flecha
é na minha terra que devo dançar com amor
é amor que devo com minha tribo partilhar
mas se não há pescaria
se não há terra
se não há tribo
amor também não há.
Mas sou brasileiro
e aqui sempre se dá um jeito
Se aqui toda terra é boa pra construção
também posso cultivar essa plantação.
Sou igual ao pessoal da capital
do extremo sul
do centro-oeste.
Se sou brasileiro
essa identidade que me é desconhecida de berço
eu não desisto nunca.
Se meus irmãos conquistaram o amor
também posso conquistá-lo
com muito suor e sacrifício.
Devo trabalhar.
Os donos das águas falaram que já posso trabalhar
devo carregar pedra
Para lá e para cá.
Vou comprar o amor
e assim poder viver,
como os brasileiros vivem
de trabalho é que vive o homem.
Trabalho metrificado e rimado.
Todo santo dia
Sábado, domingo e feriado.
Os homens donos das águas
irão me ensinar a trabalhar
e quando eu crescer
quem sabe um dia
também serei dono de águas
e terei um rio, uma flecha e muitos peixes
terei minha tribo e minha terra
e se eu aprender tudo direitinho
encaracolar meu cabelo
e me fabricar como argila
quem sabe um dia,
num futuro próximo,
terei uma barragem e muita energia.

APÓS 22 ANOS. AGORA O MENINO ESTÁ PRÓXIMO DE COMPLETAR SEU TRIGÉSIMO ANIVERSÁRIO.

Amor é coisa que não se dá por essas terras
que não se constrói com esses tijolos
que não se compra com esse dinheiro.
que não se liga a essa energia elétrica.
Aprendi a usar capacete de segurança
a ligar e desligar chuveiro.
Se não trabalhei com terra,
assim como minha mãe,
é porque trabalhei com cimento.
e se meus filhos não gostam de nadar
é porque a queda d'agua é forte
demais para se banhar,
a segunda maior do mundo,
um banco sem madeira e sem fundo.
Mas agora há televisão
há internet, há máquina de lavar.
Aprendi tantas coisas.
O esquecimento foi uma delas
me sinto um imigrante em minha terra.
Aprendi também a poesia
eita coisinha inútil!
eita despropósito apaixonante!
Mas agora sem métrica e rima.
Passei a carregar poesia em minha rede
A poesia era minha flecha e minha caça
caça caçada e caça fugida
a caça que ainda irei caçar e a que irei libertar
além daquela desconhecida.
Conheci João Cabral de Melo Neto
Conheci Severino.
Me identifiquei com o Cabra
Eita miserável sofrido!
Li tantas vezes Morte e vida severina
que virei Zacarias, virei Maria.
Severino de Maria do Zacarias lá do parque do Xingú.
Sou aquele que é desconhecido, sem nome.
Que é lembrado no seu dia
E esquecido em sua vida.
Mas se Severino era um retirante
eu sou um retirado
sem o rio Capibaribe para me arrastar.
Só a queda d’agua para me afogar.
E se na minha terra
onde havia tribo
pescaria, lagoa, flecha,
o amor me é escondido
só me é permitido Morte ou Vida severina.
optei pela morte
por mastigá-la a cada dia
e por estar mais próxima dos meus trinta.


E SE SOMOS SEVERINOS
IGUAIS EM TUDO NA VIDA,
MORREMOS DE MORTE IGUAL,
MESMA MORTE SEVERINA:
QUE É A MORTE DE QUE SE MORRE
DE VELHICE ANTES DOS TRINTA,
DE EMBOSCADA ANTES DOS VINTE,
DE FOME UM POUCO POR DIA.

João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina (1954-1955).