terça-feira, 22 de julho de 2014

A caminhada

         Eles caminhavam sobre as dunas.
     Um sol de fevereiro penetrava nas entranhas das rugas mais profundas, iluminava qualquer intimidade, esquentava qualquer azul. Não só a testa, mas todo o corpo suava, como se fosse o meio de um rio, de água corrente, sem repetir suas águas e sua história.
     O casal seguia lentamente, afundando passo a passo, sustentando um peso dobrado nos pés. Caminhavam sobre as dunas em direção ao horizonte estava tão longe.
       Já não se chamavam pelo nome, qualquer coisa inominável dominou a relação. Eram dois corpos no meio do deserto.
      Eles se amavam, não duvidavam disso. Não igualmente, o que receberia uma conotação de falsidade, amavam-se mutualmente, reciprocamente. Os dois únicos cúmplices da existência um do outro. Ela não saberia dizer se conseguiria anoitecer sem sentir o odor de velhice impregnado no travesseiro do companheiro. E ele não saberia amanhecer sem a mistura de cheiros do café recém-passado e da casca de tangerina vindos da cozinha.
       Naquela tarde eles completavam bodas de ouro e caminhavam sobre as dunas. Já não era mais possível correr como antigamente, a vida era lenta. Ele usava um terno marrom escuro com gravata borboleta vermelha. Na cabeça, não apenas para proteger do sol, mas porque era sua característica marcante e seu charme juvenil, o ancião usava seu chapéu panamá, devidamente surrado com o passar dos anos. Ela usava um vestido longo vermelho, para combinar com a gravata borboleta, e um colar que ganhara do pai no dia de seu casamento. Ambos estavam descalços e queimavam os pés na areia.
        Eles caminhavam sobre as dunas, sob um sol de 40 graus e contra o vento. O vento soprava e entoava canções longínquas, quase infantis. O casal caminhava de mãos dadas, subindo e descendo morros. Até que a canção cantou distinta, de um tom que lançou o chapéu panamá nos ares. Depois de anos o casal parou a caminhada, ele pôs a mão na cabeça e não encontrou o chapéu. Sem olhar para a esposa, sem um abraço de despedida, sem uma frase consoladora, o ancião soltou a mão dela, virou as costas para o horizonte, mudou de direção, e caminhou para buscar o chapéu, levado pela direção do vento. O velho seguiu seu galope sem olhar para trás, e quanto mais andava mais o chapéu corria para longe. Ela ficou ali parada, com as mãos vazias e com um vestido e uma vida que já não combinavam mais com nada. Ele não alcançou o chapéu.
        Ao longe ela via-o esfarelar-se, aos poucos já não sabia distinguir amor e areia. Ele sumiu sem pausas, só com a possibilidade de ida, como é a vida, ou, como é a morte.



Nenhum comentário:

Postar um comentário