sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O menino que queria ser selvagem

A história oficial mutilou a cultura africana
ridicularizou o indígena e submeteu
a mulher como fiel companheira do homem
Exterminou o selvagem
o selvagem que fomos
um dia, no sentido mais presente
da palavra.
Mas o menino queria ser selvagem.
Alegava desejo de fome
sua apatia o transbordava
do dedão a sobrancelha.
E o menino já não sentia fome de sol,
nem fome de lua.
O menino tinha um vazio tão grande
e tão profundo no estômago
que comer o despropositado fim de tarde era impossível.
Colesterol de angústia
Obesidade de conformismo
Gastrite de medo
O menino não comia nem mesmo o sono.
Ser selvagem tornou-se racional
despiu-se da civilização
da história contada pelo caçador
e dançou na selvageria do sapo
não era um selvagem como a triste história nos impõe
era um selvagem outro, tal qual
o pássaro faminto pelo céu
como o lagarto
faminto pelo sol
e o mosquito, faminto pelo sangue.
Selvagerizou-se, até inventar palavras,
tal qual a poeira que inventa-se ao vento.
Menino pelado e faminto pelo mundo.
Despiu-se de seu número de competidor e
não enxergou o outro como ameaça.
Esqueceu-se um pouco e foi comer a vida,
de forma tão selvagem que não necessitava
de espelho para se reconhecer,
pois se via no outro,
de uma fome tão faminta
que aprendeu a ouvir
os silêncios dos caçados da história,
dos condenados ao silêncio quase eterno.

Desde então o menino aprendeu a saciar sua fome
com dois pratos de ouvidos.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Manha da manhã

O Sol e a Lua resolveram se reunir para reverem o conceito
da manhã e da noite.
Tudo porque a manhã enjoou do galo
típica manha da manhã.
Agora ficou assim:
Os galos cantam para a estada da noite
e os lobos uivam para a chegada da manhã.

Praxis

O menino engravidou uma ideia
ligeiro do jeito que é
a ação vai nascer prematura
dessas que fazem o sol
rever o conceito da manhã.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Louvação ao trabalho

Um dia eu estava andando de bicicleta
e dei a sorte de encontrar um artista de rua
no semáforo.
Torci para que o sinal fechasse e
poder vê-lo fazer o mundo girar
nas mãos.
E as bolinhas giraram, pareciam vivas
de tão entrosadas e harmônicas.

Mas de repente um homem que dirigia um caminhão
gritou:
          Vai trabalhar vagabundo.

A bolinhas caíram.

Fechei os olhos e pedalei
o mais rápido que pude
nas busca de encontrar
outro mundo.

domingo, 11 de novembro de 2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O menino e o carnaval.

No primeiro dia de festas de carnaval
o menino se fantasiou de ave.
Para o menino, vestir-se de outro
era viver o outro, constituir-se enquanto outro.
Por isso ele virou ave.
No fim de sábado o menino falava
a língua dos pássaros.
No domingo dançava desengonçado
como o pisar dos pássaros.
Na terça-feira o menino estava sobrevoando
o mar de gente, como uma gaivota.
Era o menino gaivota, com pena e bico.
Era para isso que servia o carnaval,
para troca de experiencias,
de histórias
de palavras.
E despir-se das roupas
e dos preconceitos.
Assim, o peixe se vestia de lagarto
e ficava lá na pedra
lagartiando ao sol do meio dia.
A formiga se vestia de baleia e
derrubava, propositadamente,
todos os foliões com sua enorme calda.
O pássaro se vestia de cobra,
queria andar arrastado e
sentir o cheiro da terra.
O carnaval era o maior laboratória da vida
cheio de experiências e descobertas.
O menino se transformou em ave
aprendeu ave
respirou ave
respeitou ave
era como se virasse irmão de todas as aves.
Era isso o carnaval para o menino,
ser outro e amar outro, em todos os dias do ano,
porque a única realidade possível era a fantasia.

Marcelo se vestiu de mulher todos os dias de carnaval
dançou
bebeu
gritou
como mulher.
Experienciou e amou a mulher.

Na semana seguinte Marcelo batia em sua esposa,
porque ela sorria alegremente para o padeiro.

O menino e o nada

Ela surgiu do nada
desses nada que são
coloridos
que falam cantado
e cheiram primavera

o menino queria nada para si
mas não tinha espaço na gaveta
nem na boca
nem nas palavras
nem na memória.
O nada é do tipo de coisa
iguardável
ifotogravável
que não cabe no bolso da bermuda
e nem dentro da carteira
O menino dizia:
O nada só pode vir do nada
e ir para o nada
É o tempo livre de sua cronologia.