quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O retorno a ausência.

Leonard acordou ofegante, mais assustado que cansado.
Suas mãos pareciam calejadas. Estavam tensas, procurando algo para se apertarem, para redescobrirem a existência.
Vagarosamente Leonard retomou a consciência, como se ela estivesse ao alcance das mãos e dos olhos, ao lado de Kafka, sobre a cabeceira da cama.
Ainda era noite e o quarto permanecia num breu quase total. Talvez por isso, e essa foi a explicação que Leonard lhe deu, a consciência não funcionou como antes. Algo estava fora do lugar. Não fisicamente, as pernas não foram substituídas por patas de um inseto monstruoso. O que saíra do lugar foram certas verdades estruturais, como se suas colunas gregas estivessem em destroços.
Deitado na cama retomou o sonho que tivera durante à noite.
Na viagem noturna sonhara que era um macaco. Todos os seus pelos cresceram, ele se sentia confortável. Os braços aumentaram, ele se sentia forte. Mas sua racionalidade continuava a mesma. Mantinha sua memória de homem do séc. XXI. Assim, Leonard desfrutou das vantagens de ser um macaco.
Vivia na floresta e era o único animal que reinava naquele habitat que parecia imenso e quase infinito. Para todos os lados eram árvores, todas crescendo e frutificando.
Para se locomover Leonard não usava as pernas, não conseguia ficar ereto. Desenvolveu uma técnica muito mais eficaz, usava a força dos braços para pular de cipó a cipó, era como se voasse entre as árvores. Com as mãos tensas o novo macaco segurava-se num cipó e depois em outro e depois em outro. Os cipós, não resistentes a força do macaco, sempre caíam. Para Leonard não cair, para não despencar de sua nova existência, apertava ainda com mais força, num cipó ainda mais alto.
Quando a racionalidade do homem do séc. XXI veio à tona, vencendo o instinto animal, Leonard percebeu que estava preso na floresta, refazendo os mesmos movimentos. Que um cipó só levava a outro cipó. As paisagens eram sempre repetidas.
Nesse momento de iluminação um cipó jogou Leonard, violentamente, sobre uma biblioteca. O homem caiu sobre milhares de livros e quando percebeu estava mergulhado numa biblioteca que parecia ser infinita.
            O homem ficou feliz de ter novamente suas mãos delicadas e seu polegar opositor. Movido pelo instinto Leonard andava de livro em livro, pulava de teoria em teoria. E assim, como os cipós, as teorias caíam. As verdades despencavam e Leonard, para também não cair, agarrava-se ainda com mais força em outro livro.
            Não existiam evidentes diferenças entre o macaco e o homem, nem entre os cipós e os pensamentos. Os pensamentos, no sonho de Leonard, eram como frutas no pé de uma macieira, que duram seu tempo e depois caem. Como tudo na natureza. Assim, o homem, para não cair, pula de pensamento em pensamento e quando um cipó quebra e cai, o homem se agarra em outro, fantasiando um movimento linear e evolutivo.
            Todas essas imagens e incompreensões permearam os pensamentos de Leonard por um longo período após seu despertar.
            Até que a alvorada veio anunciar mais um novo dia e o sol raiou iluminando o quarto ainda escuro, revelando aos poucos os livros na estante.
            Leonard, com medo de repetir os caminhos, levantou e fechou a janela.

E caiu.

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