quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Tristeza crônica.


Pior do que felicidade
Insuficiente
é tristeza
insuficiente.
Incompletos todos são
                                        [Todos somos.
A incompletude é a partida da largada
O cupom da viagem
A despedida na chegada.
A insuficiência
É travessia recusada
Torneira pingando na madrugada
Pingo socando testa
Galo engasgado na noite eterna
Tristeza crônica não diagnosticada
Que não passa
Que não diz a que veio
Essa é das piores
Que nos divide ao meio
e nos esconde da outra metade.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O aprendizado do doce.


Escrevi com lápis de manteiga
no sol de meio dia
Para que as palavras perdessem suas normas
e suas roupas
No deserto petrolífero da cidade
as palavras derretidas misturaram-se no asfalto
e este com os carros

a poesia beijava os pneus
e ganhava função na engenharia dos automóveis
e ganhava preço e rótulo e gramática
Perdi as palavras pro tecnicismo
presa ao sistema.
Chorei.

Dona maria falou
não chora menino, te farei um lápis de mel
e vê se não escreve no sol do meio dia
escreve em cima do morro
perto da boca do vento
e quando ele soprar
deixe as palavras livres
liberte-as, do papel e do pedestal
que é para molhar o povo de alegria
adoçar a lambuzar
o asfalto negro e o barro vermelho.

O açúcar tende a adoçar essa gente toda.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Gastrite do olho.



O gato estava andando pelos cantos
meio como quem quer entrar na parede
Diagnostiquei-o com gastrite
Minha avó sempre falava,
bom para gastrite é chá de espinheira santa
e eu sempre falo
bom para gastrite é poesia.
Então levei para o felino
Um chá quente
E um livro de poesia

E o gato fica assim
desequilibrado
Com aquele olhar de gato
Espreguiçando-se entre uma poesia e outra
Porque poesia é coisa para quem não tem o que fazer
É coisa para quem se banha com a língua
Para quem tem olfato para o lixo
Poesia é banhar-se com a língua
É brincar com a língua
E perder tempo com ela.

Gato nasce com uma vantagem poética
Amanhece diariamente com um novo olhar
brilhoso e lubrificado
Singular ao mundo
Descansado e bem disposto
a se impressionar com a vivacidade
de uma pedra
ou comover-se com a hipocondria do muro.

Então nos curamos da gastrite assim
O gato lê poesia
E eu leio aquele par de olhos incompreensíveis
porque livres
porque vivos
Viajo sem rumo
Incorporo sua liberdade
E já não sofro mais de gastrite
do olho.