terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Primeira semana do ano.

Dia 01/01/2014.
Show: Saulo, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Pelourinho - Salvador.


Passei por mim, de um grito de tambor.
E dos passos avulsos,
entre orlas e ladeiras
diz a voz de salvador:
                        Quem te trouxe aqui, Exu?
Saulo, que é Bahia
e Gal
que é para turistas
e universitários socialistas.
Ilê Aiyê, Olodum
para Carolina
um gingado saliente
suado e quente, da Praça da Sé
ao terreiro de Jesus
arrocha, capoeira e axé.
Sempre novidade, novo o bastante
para apaixonar mais e mais.
A ladeira, que se espreguiça em pedrinhas,
e o azeite de dendê
que convidam para descer e adentrar vento afora:
“Venha primeiro dia do ano,
serei sua Gabriela, sua Tieta,
sua Dona e sua Flor
Rosa do Rosário
as fitas de pedidos comprados.
Venha meu rei
e passe
assim como muitos passaram
e muitos passarão
pois sou livre, passarinho
de nego nenhum
sou Zumbi de palmas e palmares
Vá e deixe uma oferenda
para Exu proteger a minha casa Bahia.”
Vú que te disse!


Dia 02/01/2014
Show: Olodum, Ilê Ayiê, Daniela Mercury.
Ilha de Itaparica, Ilha dos Frades.


O dia se abre porque é de paz
O sol, trabalhador que é,
não se avexe em brilhar.
Os passos seguem levando,
não sei o que, para o que vem de ser.
Levam ritmados, ao som
de Daniela e do Olodum
o cheiro noturno da noite passada.
O sol brilha na face dela,
cada dia mais bonita, mais verão.
Carolina não me diz o que sente,
mas é tão bom cheirá-la
estar em sua paisagem.
O sol se põe em seu rosto, faz nascer algo em mim.
Já não sou o que era, e a possibilidade de ser
aumentou.
É que uma ilha nunca é cercada por águas,
é cercada por histórias,
assim como as pessoas.
As minhas fronteiras se desfazem a cada dia,
esse é um dos sentidos da vida.
Desterritorializar-se sem se esquecer de sua terra. Como isso?
Eu que sei? Paradoxo da porra!
Ilha dos Frades, Ilha de Itaparica, cada uma com seu nome,
de olhar o sol no olho,
encará-lo, sê-lo.
Cada uma com seu povo,
sua paz, seu pai.
Cada corpo com seu ser, que borbulha
explode, queima, exala calor,
e evapora de si.
Corpos que anoitecem e amanhecem
que se despedem para voltar no dia seguinte.
Como esse sol que acabou de se despedir de mim
e de Carolina.


03/01/2014.
Boteco São Jorge - Rio vermelho.
Praia do forte.


A mesa não foi feita para suportar pratos,
talheres e reunir cadeiras.
A mesa serve para reunir pessoas,
cada uma com seu tempero,
com sua porção de histórias e
experiências fritas e mal passadas.
Pessoas de almas cruas e assadas.
O bar do São Jorge tem dessas mesas, de matar
um dragão
e fazer renascer outro dragão chinês.
Carolina olhava o além,
segurava com as duas mãos o sono que deitava sobre seus olhos.
Ela é forte e bela, e adjetivos outros que ainda irão nascer.
A praia também é forte,
se não fosse, não teria forças para segurar tanta água.
Água que cura feridas, na crença de Carolina.
Praia do forte que nos desarma, nos pacifica.
Um dia que parece um mês,
que extrapola as horas do relógio.
Farol da barra, Pressão baixa, ônibus,
pernas, café, acarajé,
bolsas, cervejas, Rio vermelho.
Agora descanse Carolina, pois te ver dormir
é o ponto turístico mais bonito de Salvador.


04/01/2014.
Solar do Unhão
Jam no man
Fundação casa de Jorge Amado.


Os sapos devem ser um instrumento inspirador
multiplicador de línguas, de histórias e de culturas.
Pois isso então que Jorge Amado,
o colecionador de sapos,
escreveu tantos livros, fez nascerem tantos personagens.
Amado, as fotografias de Zélia mostram-te feliz.
De vários ângulos, com várias pessoas, em vários lugares.
Quantos, como eu, estiveram aqui
caminhando por sua trajetória,
o protagonista maior de sua obra,
e também ficaram com a mão coçando para escrever
Uma Tieta, criar
Capitães de areia,
Ou com a língua salivando
por um bom gole de café.
                       Carolina não deixou, era bom respeitar minha gastrite.
Aqui, somos todos sapos.
Quando entro em sua casa, Jorge,
Sou e paz.
Carolina também me convidou
para entrar em sua casa, protegida por Exú.
Eu, que sou amor, ainda caminho timidamente,
com medo de sujar o tapete, quebrar um vaso precioso.
Nas casas de Jorge Amado e de Carolina
a literatura pulsa firme e eu continuo
escrevendo minha história.

05/04/2014.
Farol da Barra.
Rua da Graça.
Ida Recife.



No meio de tanta água,
na baía de Salvador,
o maior medo de um peixe é nadar só.
Na terra, o maior medo de uma pessoa é não se encontrar em alguém.
Por isso existem os faróis:
para atracarmos nosso navio num porto de passagem
para iluminar os caminhos tortos dos peixes tontos
para salvar as almas perdidas que estão ilhadas em corpos desérticos.
Os faróis são a única esperança de muitos peixes, que aguardam,
apeixonadamente,
a sua hora de estrela.
Há luz para todos, vale ressaltar,
Os faróis são democráticos, giram redondamente.
O Farol da Barra é assim, salvador de peixinhos perdidos
E recanto de casais amantes.
Ser farol também é possível,
Basta ter bastante luz nos olhos.
Carolina é assim:
ilumina o que tem em volta
e faz todos se encontrarem, escrevendo sentidos,
imagens e escuridades.
Porque farol é assim:
Ilumina por 5 segundos e escurece por mais 20.
Nos 20 segundos de solidão reside a liberdade, exatamente ali,
onde se nasce luz.
Agora Carolina dorme, sentada ao meu lado,
a caminho de Recife.
Meu Farol descansa e percorre por seus sonhos de sol e de lua
e de mar
para amanhã me contar
mais um caminho.

06/07/2014.
Recife Antigo.
Parque de esculturas Brennand.
Cidade Tabajara.
Casa da Rabeca - Encontro de Cavalo Marinho.


Recife não acorda na segunda,
as portas estão fechadas e as ruas ainda sujas do maracatu de domingo.
Sim, Recife antigo, velho e desbotado.
Na rota dos poetas a poesia correu para longe.
Mas resquícios de estranha civilização habitam Recife.
Pelas águas do Capibaribe chega-se a terra de Brennand,
Obra ereta, de sereias, sapos e tartarugas.
Carolina dá asas às tartarugas e inventa andorinha.
Ela costuma inventar os sonhos, as conversas,
as respostas,
como se para seguir fosse preciso criar, pois viver não é preciso.
Quando a tradição impressiona mais do que o moderno
É sinal de que estamos no lugar certo.
Encontrar o lugar certo é o princípio de encontrar a si mesmo, seja lá no que for,
pois o lugar certo não é um lugar, é um estado, é uma relação,
a pura sensação de alívio e alegria.
Assim foi assistir aos pés descalços sobre o chão batido,
dançar cavalo marinho.
Num espetáculo inexplicável.
Quem eram aquelas pessoas?
O que aquelas mãos moíam em dias de trabalho?
Ali todos eram iguais, eram os pilares do lugar
e a construção da felicidade.
Cidade Tabajara, rua Curupira: Como vivenciar uma lenda.

07/07/2014.
Praia de Boa Viagem.
Olinda.

A moça bonita da praia de Boa Viagem
infantiliza-se na areia, brinca
com sua pipa águia colorida.
Os sentimentos pairam no ar, levitam.
Estão fora e por isso existem, porque os tiramos de dentro.
E Carolina brinca e caminha sem saber o quanto é.
Leva um sentimento tão delicado, inventado no meu caderno de poesia.
Guarda o sentimento na bolsa e sacode a areia do pé,
Desce a ladeira da Sé.
Das coisas que nascem do chão
e das cordas do violão, cultura e história.
Olinda sabe o nome que tem, por isso é bela.
O sol queima nossa nuca, aquece
o que tem antes do pensamento,
para florescer as ideias boas, que
imagina o maracatu e o frevo não escutado nas ladeiras de Olinda.
É só domingo! É só domingo!
Cartola e tapioca de carne de sol desaparecem do prato,
e aos poucos vamos mastigando o sabor e o sol pernambucano.
Do ponto mais alto de Olinda vemos Recife e o ontem.
E aquele sentimento flutuante se materializa em azul,
E é maior do que o céu, porque tudo nele existe:
Frevo, maraca, Olinda, praia de Boa viagem
E amor
Inventado
Também pulsa,
Também é infinito.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A força e a ação do tempo.

    Era uma vez uma cidade fantástica, onde as borboletas elegeram como ninho para o nascer de seu bater de asas, onde as pessoas se conhecem de infância, de coração puro e por isso fazem ressignificar as fronteiras da família. Nunca houve um roubo, uma traição, um crime. Nem mentira, nem verdade, as coisas existiam porque assim eram para existir, sem julgamentos finais e iniciais. Sem objetividade, pois não era preciso acertar, nem correr.
    Nessa cidade, onde a felicidade existia sem se dar nome, num belo dia, surgiu um professor de português, alfabetizador. O mestre encantou-se pela cidade e ali ficou por algum tempo. Na sua estadia ensinou os garimpeiros, os agricultores, as lavadeiras, os capoeiristas, a magia das palavras. Ensinou os moradores a ler e a escrever. Depois do importante a árduo trabalho o professor seguiu sua peregrinação pelo interior do país.
    A cidade ficou ainda mais fantástica. Placas, dando o nome das coisas, brotaram das mãos dos nativos. Nas estradas, singelas placas indicam o caminho e na mercearia do Amarildo, sobre a porta de entrada, ele escreveu seu próprio nome com orgulho.
    O filho do seu Amarildo aprendeu a escrever na infância, como todos os seus amiguinhos. Nessa época os primeiros poetas surgiram, assim como livros vindos da capital. Todas as miragens já tinham seus nomes e os sonhos aprenderam uma língua. Os netos do Seu Amarildo foram fazer universidade na capital assim que completaram o ensino médio.
    Hoje, a cidade fantástica está em ruínas.