sexta-feira, 29 de junho de 2012

O Menino Barriano

Na hora de comprar pão, as três da tarde, lembrei-me dos meninos de Barros.
Quando eu estava martelando o vento, para concertá-lo, pois estava sopriando de maneira esquisita,
lembrei dos meninos de Barros.
Quando pintei a água que o passarinho bebe, me lembrei dos meninos de Barros.
Quando bebi água com os passarinhos que descansavam na sombra, esperando o sol do meio dia passar, me alembrei dos meninos de Barros.
Não que os meninos de Barros sejam feitos de barro, 
mas de areia de praia que o siri joga fora, 
do vento mal soprado,
do rio maratonista que não para de correr, 
do pé descalçado com um espinho de rosa enfiado na ponta do dedão.
Com o barro que passeia a beira do rio, 
com o barro que quebra o asfalto para respirar, 
com o barro que a criança brinca de comidinha em sua cozinha de plástico
ou no barro que a criança utiliza como bolinha de arma de fogo e guerreia com as outras crianças da sua rua de barro.
Esse Barros sem forma, sem o dedo do artezão
moldando o todo do menino.
O menino de Barros Peralta,
poeta,
carregador de água na peneira.
O menino de Barros que ganhou um rio,
que espetou o vento,
que tentou pegar na bunda do vento.
Talvez, o menino que teve a não-soberania e foi ben-te-vi.


Poema escrito durante a digestão da leitura do livro "A Terceira Infância" do poeta Manoel de Barros.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Fim de noivado.


Perdi meu noivo no dia dos namorados, estávamos juntos no mesmo frasco já fazia um ano. Nossa relação não era seca, era volátil, sempre estávamos cheirosos. Não éramos franceses, mas vivíamos felizes, e isso bastava. Morávamos no quarto da biscate – chamo-a assim porque roubou meu noivo – ao lado do livro de Caio Fernando Abreu e do ursinho rosa e sujo, em cima do criado mudo também rosa, onde a biscate guardava suas calcinhas e suas maquiagens. Sobre nossas cabeças havia um grande espelho que ficava encarando a menina olho no olho durante boa parte do dia.
       Ela vestiu a calcinha, virou de costas para o espelho e se observou, resolveu trocar de calcinha. Agora sim o espelho aprovou. Sentou na cama e leu um trechinho de Caio Fernando Abreu, ela nunca terminava uma página. Depois de se emocionar abraçou o ursinho, era dia dos namorados. Vestiu sutiã, vestido justo e rosa, sapato alto e com as maquiagens na mão voltou a encarar o espelho. Pintou os olhos do espelho de azul e preto, a bochecha de leves tons de rosa e a boca com um extravagante vermelho. O espelho ficou ridículo. Mesmo assim meu noivo não resistiu, deve ter siso a calcinha, vagabundo.
           Com as mãos de creme de avelã, pegou o frasco na mão e nos pressionou sem carinho nem compaixão. Foi aí que perdi meu noivo. Ele foi direto ao pescoço dela, bem como ele fazia comigo. Umedeceu o canto da orelha e escorreu até a nuca, a vadia se arrepiou todinha. Os dois saíram de casa juntos ao som de Jorge Drexler.
         Eu virei uma gota de perfume sozinha no mundo. A gota que se perdeu no momento de perfumar. O espermatozóide que errou o caminho. A gota que perfumou o ar. Depois dessa desilusão amorosa costumo flutuar pelo mundo, entro pela janela, saiu pela porta, pego carona com as abelhas, durmo na casa do amigo João de Barro, converso com o cheiro de pão de queijo, brigo com o cheiro da fumaça de cigarro, frequento os bares das gotas de perfume francês, brinco com o vapor da panela de pressão, toco bateria na banda do lança perfume. Faço essas coisas simples que toda gota de perfume perdida faz.

E hoje estou aqui, bem aqui.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Desentendendo a gente entende.

E o autor diz:
- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

E o leitor lê:

- Vai se fudê! Vou fazer o que você diz porra nenhuma. Eu faço o que você faz. Minha leitura eu que escrevo!





* Iluminura de Martha de Barros.

Grampos e poesias.


Poesia? Para mim é como um grampo de prender roupas preso na ponta dos mamilos para um sadomasoquista. Dor, prazer e gozo.

Só que ninguém se pergunta para que serve ou teoriza sobre grampos de prender roupas preso nos mamilos.