sábado, 10 de agosto de 2013

Para além da terra quadrada.

Morrer não é verbo fácil
Nunca vi um em vida
Viver também não
São poucos que encontrei.
Sombras têm aos cachos
É um estado de espírito estável
Nem vivo nem morto
De um pretume onde luz não entra.
De uma fronteira quase imóvel
levada de leste a oeste
pelo sol,
mas essas sombras nunca se deixam queimar
disciplinadas que são,
desconhecem seu ditador de órbita
como desconhecem deus.
Meu primo Zé se banha ao sol de meio dia
Transgrediu seu lugar de sombra
Este vive.
O fato se deu quando ainda criança, era aula de geografia
Zezinho não acreditava na professora
Teimosia infantil
A terra não podia ser redonda,
era quadrada
e havia uma queda sem fim depois dela
para além do real
para além da visão dos olhos.
O menino cresceu e ganhou bigodes
Expulso da escola, expulso da família
Marginalizou-se e construiu um barco
Nadar contra a maré
Atravessar as ondas contrárias era seu destino.
Negar a si mesmo, para poder ser.
Navegou todos os oceanos, até encontrar o fim da linha,
o inicio imagético.
A queda sem fim
O buraco do coelho
O precipício de dentro
Como a leitura da poesia
O caindo sem cair.
Os ventos que sopraram a vela do barco
vinham de sua imaginação
De tanto sopro
libertou-a de vez
Rasgou a cabeça
Zé passou a imaginar antes de ver, ótica criativa.
Maluco!
Vagabundo!
A terra era quadrada!
Expulso de casa e das instituições
Meu primo ganhou o mundo
Hoje a rua é seu lar, somente as calçadas sujas e a polícia lhe dão abrigo
A calçada para lhe oferecer seus ensinamentos de chão
A polícia para lhe ensinar porrada e prisão.
Zé era o paradigma por vir
Não havia olhos para vê-lo
Não havia ouvidos para escutá-lo
Não havia ciência para comprová-lo
Uma verdade inaceitável.
Proibida de ser dita
como se não houvesse solo para a raiz da rosa.
Ou linhas para a prosa.

Em dias de chuva, como hoje,
quando o sol também se esconde
aproveito a ausência das pessoas, sombras nulas,
para visitar meu primo.
Zé é o mundo.
De um fogo louco que me aquece
De uma luz que embaralha o olhar
Dispo-me de meus trajes
Deito-me na terra molhada e escuto-o
suas experiências são fantásticas
a queda da terra quadrada é a melhor
leitura literária.
Meu primo me ensina a pisar no precipício.
Se a utopia está no horizonte
Ultrapasse o horizonte e caia na queda
Para além da terra quadrada
imaginar o mundo é o princípio.

Ensina-me a ser livre.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A galeria de arte é aqui.

O melhor da galeria de arte
foi seus olhos
cada traço de azul
contemplava mar e céu
de uma beleza que dispensava assinatura de artista,
era a arte sendo
na calçada, no vento, no nada
Duchamp concordaria.
Fingi ver os quadros
os livros
as paredes
mas estava (vi)vendo seu sorriso.

Meu quadro preferido?
O de corpo nu, deitado, quase sem forma
branco,
quase um rabisco.
Quadro de Klara
Olhos claros
pele clara
arte clara
sorte clara
nome Klara.
Segui meu caminho
pelas pedras descompassadas
da cidade histórica.
No meu bloco de anotações
inclui mais uma personagem em minha história
de uma aquarela clara a obscurecer minha lembrança.

Ao andar pelas estradas irregulares
de Colonia del Sacramento
fui pintando a sua imagem
na tela de meus pensamentos.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Além de ser você, sou tu.

Em seu vestido rosa cabe a primavera
no seu pisar faz-se pétalas coloridas onde era cinza
sou a semente que brota em teu corpo em forma de sorriso
metamorfizo-me em beija flor
para permanecer as asas em sua nuca
para te ver de perto e poder parar o tempo quando quiseres descer
sou a paisagem florida que multicolore seus olhos
e dou-te o néctar do meu corpo
para adocicar seu humor e saciar sua fome,
tu que és como uma deusa do olimpo

em seus cabelos encaracolados
enrolo em espirais meus pensamentos
que sempre voltam a lembrar teu nome
como um refrão repetido, são os dias de outono
e nas noites mais longas, faço-me de lençol
a te tocar dos pés a cabeça, tudo ao mesmo tempo
como se te comesse inteira.
Limpo as folhas secas do seu jardim
para que possas abrir a janela e sorrir, pois sou o dia que te espera lá fora.
Colho teu fruto maduro e não deixo sua folha amarelada de poesia cair

Agora, meus braços são veludos de fio delicado
que aquecem teu pescoço no frio do inverno
como o cachecol trançado pelo mais artista artesão
faço-me de chá, sopa, fumaça e fogueira
queimo-me em calor para ver sua bochecha vermelha
sou o café da esquina, que inspira tua escrita
sou a própria literatura e o pensamento que a antecede.
Sou a chuva que escorre pelo vidro da janela
a te observar chorando de desilusão
e sou também a lágrima que escorre pela sua face.

Em noites de verão sou tua nudez a te tocar por inteira
a brisa inesperada a provocar arrepios
sou a luz do sol despertando teu dia
sou todas as ondas que encontram teu corpo no mar,
e todas as ondas a te esperar também.
Sou o suor a caminhar por sua pele bronzeada
enquanto esperas o sol do meio dia passar.
Sou a tempestade de fim de tarde a te pegar desprevenida
a areia da praia, o sorvete da esquina, o dia prolongado
sou o guarda-sol que queima a pela para sua proteção
mudo o clima, o tempo, as paisagens e você, para que não enjoe da vida e nem de mim.

Além de ser você, sou tu
e por ser tudo isso, sou tua ausência também.

A profecia Maia.

Todos temiam a profecia Maia
temiam o fim da raça humana.
Mas nenhuma catástrofe aconteceu
nenhuma chuva, quase nenhum vento
o que ocorreu foi uma catástrofe social.
Nesse dia deus desceu a terra e como tudo construiu
tudo poderia destruir também, mas deus é bondoso.
Concedeu a cada ser humano o poder de eliminar algo da terra.
E assim os desejos foram realizados:
Os comunistas pediram o fim da burguesia.
Os religiosos pediram o fim dos drogados.
Os homossexuais pediram o fim dos religiosos.
Os fazendeiros pediram o fim dos índios.
Os índios pediram o fim dos brancos.
A direita pediu o fim da esquerda.
Os homofóbicos pediram o fim dos homossexuais.
Os negros pediram o fim dos racistas.
Os cristãos pediram o fim dos pecadores.
Os explorados pediram o fim dos exploradores.
As feministas pediram o fim dos machistas
Os bandidos pediram o fim dos policiais
Os patriotas pediram o fim dos anarquistas
Os soldados pediram o fim dos revolucionários.
Os fieis pediram o fim dos ateus.
Os ateus fecharam os olhos e nada pediram, pois não acreditavam em deus.

deus voltou para casa feliz, pois não foi preciso mandar uma chuva de meteoros.
E os Maias, errando os meios, acertaram o final.