quinta-feira, 27 de março de 2014

A construção do inimigo.

A posição do tiro está pronta.
O alvo, é questão de arte,
escolhe-se as cores, as massas, as classes,
dá-se os pontos, de acordo com as dificuldades
Só resta as mãos e os discursos
para manter o alvo na altura dos olhos
eis o suporte
bem delineado
ancorado, em terra de leis
sobre os ombros de pessoas de bem.
O povo clama
e o dardo em chamas
é posto em sua posição de fogo.
O povo
vende a liberdade
no sabor de sangue
na ação de justiça ou vingança
Arma, alvo e atirador
coesão e coerência fabricadas
...
mais uma festa de terror.

O saber da cor

A chuva desceu
e levou, lavou
todas as cores.
As coisas
pintadas de aquarela
desnudaram-se na rua
nuas
em plena luz do dia.
Nem sol, nem lua
retomou o que antes se via.

(branco)

Agora, só vê
quem aprendeu a cor
de cor
de coração.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Têmpera ovo

A manhã tardou a anoitecer
demorou-se criança
amarelo brilhante
perto do nascimento do sol.
Tudo tem seu tempo
a ser desfeito
e sua cor e ser acesa.
Na tela, o pincel titubeia
o movimento
pausa um momento
na encruzilhada da mão.
Tinta seca.
E o sol ganha mais um raio
mais uma sobreposição.
No horizonte
nenhum ponto noturno.




sábado, 15 de março de 2014

terça-feira, 11 de março de 2014

A poesia, no poema, inicia após o ponto.

Quando o ponto transpor seus limites
um grito rasgará o silêncio
a ponta se fará centro
e tudo que é exterior
também será dentro
o mesmo
enfim
texto.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Lar

A gente mora na procura da palavra
que é pior do que o silêncio
Moramos um no outro
quando se fecha o olho
quando se abre os braços
quando dormimos com o mesmo gosto
nus
nos carnavais sem folias
nas noites de agonias
de incompreensões
moramos no cachos loiros
na barba ruiva
na viagem planejada
nos encontros avulsos
na festa frustrada
A gente mora sobre a bicicleta
nas ondas do mar
nus
no refúgio na sombra
na luz do medo
no receio do feito
Moramos na nossa mãe
a gente mora com as baratas
dorme com os mosquitos
vive sorrindo
Moramos num apartamento no oitavo andar
numa quitinete
no alto do morro e no asfalto
num quarto que se abre em janela
numa cama torta
Moramos no sonho do outro
na flutuação
no voo
no mergulho em que a bunda aparece
na fantasia de baiana
na carnavalização da razão
na ilusão, do amor
no sabor, do amor
na corda bamba, do amor.
Nos bambas do samba
na casa de Noca
na casa nossa
A gente mora num peito cabeludo
na leitura de estudo
na leitura da poesia
na leitura de mundo
na reflexão de tudo
na euforia da cama
no pensar, no calar e no jejuar
Nos desenhos da parede
Moramos no nó que nos afaga
num nó que afasta
no abraço que esquenta
que alimenta a alma da gente
moramos em quatro olhos trocando olhares
em quatro mãos apalpando corpos
em duas bocas multiplicando beijos
na confusão das pernas
e das conversas
Moramos em corpos
com músculos e ossos
nos peitos pequenos
na cintura fina
no encontro da esquina.
A gente mora no que a gente construiu
na calçada

na sarjeta
na areia da praia
num precipício sobre os nossos pés
num caminho para a utopia
Na queda na pedra
no joelho ralado
na queda d'água
no cortejo cantado
nos sopros do pífano
nos passos de tango
no samba, no forró
e no sorriso fingido
no desentendimento estranho
moramos num acampamento
na lua cheia
na trilha perdida
no trilho de trem
na trilha sonora
na semana que vem
na veia
na aveia com damasco
Moramos nos olhos azuis
No poço azul
no buracão da cachoeira
guardados na chapada diamantina
protegidos pelos deuses
moramos nas letras
nas artes
no cinema, na música, nos malabares
no queimar do fogo
no queimar do gozo
no peixe cru
no beijo nu
na verdade crua
moramos numa arquitetura rizomática
sem paredes para a morada final
numa casa muito engraçada
sem nada
A gente mora no que nasce e morre
no que morre e nasce
no trigo e no pão
e em todos os frutos que brotam de nós.
Moramos na individualidade
que é o alicerce da relação a dois.