sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O pôr do ser.

              Maria poente engravidou-se e ao invés de criar barriga, diminuiu-se. Esburacou um vazio em seu ventre. E a criança, que chutava o nada, era como a luz do luar, que ilumina o mar sem ter luz. Parecia uma barriga em eterno estado de lua minguante. E a menina se minguava.
           Nas conversas de família Maria Poente explicava É tudo uma questão de percepção. A lua cheia é a mesma lua que a minguante. Ambas são completas e redondas. A minha barriga está do outro lado, que ninguém vê, porque vocês ainda não sabem ver.
           Os vizinhos caçoavam, diziam que se dona Poente continuasse a se esburacar no ventre, viraria brinquedo de bambolê para as crianças da rua rodarem.
           A sua mãe, ao faxinar a casa, sempre procurava a barriga perdida, devia de estar em algum lugar, mas nada achava. Desejo a menina também não tinha, nem comidas escamosas de madrugada, nem guloseimas cremosas na alvorada.
              Os médicos vinham de todo lugar e faziam juras, planos e mandingas, todos queriam estudar o vazio de Poente, queriam solucionar o enigmático problema e encontrar a barriga sumida.
               Deixem essa criança não estar, que assim ela fica em melhor lugar. Minha não barriga não é problema, só está do outro lado. Problemas mesmo são essas verdades espaçosas que não deixam quem é da mentira viver.
               A criança nasceu e ninguém viu. Nasceu tão vazia quanto a barriga, nem arrebentou o choro na madrugada. A avó não deu a benção, o padre não a batizou, o médico não bateu na sua bunda três vezes. Somente Maria Poente conseguia ver sua cria e carregá-la no colo, trocar a frauda, dar de mamar, ensinar as palavras.

          Vocês só sabem olhar com olhos que procuram a falta e assim nada veem. Essa criança invisível é tão completa que ninguém consegue ver. O dia em que as pessoas conseguirem ver o todo, palco e bastidor, quando essa gente tonta puder ver a completude da lua minguante e saber dar a volta e ver o que tem do outro lado, assim, talvez, a terra nascerá outra, duas vezes iluminada.