domingo, 18 de março de 2012

Pulo para cair dentro da boca aberta.



      Sua busca por novas experiências, ou apenas experiências, começou logo após de se desvencilhar das raízes secas mergulhadas na terra do seu quintal de casa. Ela teve que seguir o vento, não tinha outra opção, tentava tombar o corpinho para o desconhecido, mas o vento, autoritário como é, lhe impôs o pré-estabelecido caminho da liberdade.
Caiu no terreno programado, não por ela, mas por outros, deveria ficar parada, armazenando energia, falaram que seu corpinho iria crescer com o tempo, folhas iriam nascer, e belas e coloridas pétalas iriam florescer.  Daria frutos, cuidaria bem da família, deixaria suas sementes na terra antes de morrer. Mas criar raízes não era com ela. Preferiu cair de debandada pelo mundo, na madrugada, na manhã, na tarde. Queria conhecer as diferenças, queria juntar as diferenças, ou queria querer diferente.
           Por esse tempo ouviu falar na omelete, gostou do que ouviu. Era uma comunidade igualitária. Tudo era dividido, tudo era misturado. Tudo era tudo. Um era tudo e tudo era um. Determinada como era não demorou muito para encontrar a omelete. Mas eis que ela descobre que o tudo é finito, pelo simples fato de afirmar que é tudo.

                Ela: Oi omelete. Como você é bonita. Posso me desfazer e me misturar em você?

               Omelete: Aqui não tem mais lugar nenhum, além do mais você é muito docinha para fazer parte do nosso corpo, temos regras aqui.

Ela era tão ingênua, sua tristeza era tanta que até comoveu o fio de cabelo que foi retirado da omelete aos palavrões, Ela realmente acreditava que a omelete seria um bom mundo para se viver. Sem fronteiras, só expansão.  Estava na espera ânsia de haver uma omelete sem frigideiras, mas acontece que a omelete pula e volta a cair de cara no mesmo lugar.
Até o tudo a recusou. Ela percebe que não faz parte de tudo. Compreende seu vazio do mundo. E as coisas começaram a fazer não-sentido, ou o não-sentido começa a fazer coisas.
Esvaziou-se de vazio e ficou vazia. Foi então que ela se comeu e sumiu. Não ocupou mais espaços físicos. Agora ela flutua nos espaços infísicos.

E Ela está na espera ânsia de cairmos fora da frigideira um dia.

domingo, 11 de março de 2012

O homem de quatro paredes.


              Otávio sempre foi uma pessoa, como podemos dizer, sem ventilação. Na sua adolescência, em pleno momento de descoberta de seu corpo e também do corpo alheio, o menino abafado permanecia fechado, sem aberturas para a brisa serena que levantava as saias das meninas espaçosas que cismavam em passar cantarolando sob sua janela.
Mas com o tempo Otávio cresceu e as coisas mudaram, a engenharia do seu corpo cresceu e se transformou numa empreendedora construtora imobiliária, em todo momento construía novas paredes. Uns diziam que era afeto demais, outros resmungavam que era apego exagerado, alguns afirmavam que era só solidão mesmo, e Freud diria que era trauma de infância. Mas acontece que o menino não largava mais as pessoas, construía suas paredes e jogava a chave fora. Não tinha preferências, servia qualquer pessoa que lhe depositava algum título, Amigo, Colega, Namorado, Marido, qualquer tipo de elo formalmente instituído. Era assim, viraste alguma coisa de Otávio e estás trancado, esse era o lema, e o quarto de Otávio continuava abafado. Ele tinha o dom de ocultar os espaços dos outros.
No começo tudo bem, tudo é ilusão. Todos se sentiam livres dentro das quatro paredes de Otávio. O espaço era grande, na verdade nem tão grande assim, mas era o bastante para nos enganar, para nos fazer pensar que somos novidade. As repetições tendem a motivar passadas lentas e a banalização tende a encurtar nossa caminhada. As pessoas não se importavam com o 25m². O sonho de qualquer um é comprar uma casa não é? E ter uma casa não é construir paredes? Limitar o ar, os sons, as luzes e principalmente o acesso, fomentar o prazer de poder possuir e chamar de minha, não é?. Otávio fazia tudo isso muito bem.
Até no sexo era assim, Otávio dominava os espaços do quarto e asfixiava a sua presa. As quatro paredes chocavam entre si, num gesto de maestria não ritmado, e se confundiam, o concreto derretia e se misturava, o calor dos nossos corpos servia como lenha para aquecer o caldeirão. Isso era bom! Até mesmo o tempo se deslocava de seu estado físico comum, o cronológico, caía bem como tempero na eterna mistura do caldeirão.
Otávio devastou terrenos, trancou portas e janelas, emparedou menininhas sonhadoras, construiu seu império, sua construtora doméstica não pagava impostos. Tudo dentro da lei, tudo o que outras Otávios já não fizeram antes. Não fez nada que não lhe fosse permitido. Ocultava o tempo e os discursos, calava a boca e apagava textos, só com as paredes.
            Mas seus recursos naturais foram secando com o tempo, talvez por influência do politicamente correto, sua casa de 25m² se transformou em uma pequena kitnet. Diziam que Otávio enlouqueceu com a aparente falência, a produção de sua construtora diminuiu consideravelmente, mas em compensação suas paredes cada vez mais ocultavam e roubavam o tempo, o espaço, a voz e o desejo de suas presas. Houve uma vez, há duas semanas, que sua ex-namorada, questionando a extinção de sua liberdade, gritou: Eu não sou você. Otávio riu com a ignorância da menina. 
           O que estava acontecendo na verdade é que Otávio estava falido, já não era dono de construtora nenhuma, nem mesmo kitnet conseguia construir mais, nem a si mesmo conseguia prender direito, e isso, para um menino sem ventilação é um horror. No final de seus dias Otávio estava morando num elevador. Estava feliz consigo mesmo, refletia bastante. Ficava vagando entre o céu e o inferno, subindo e descendo. Até que um dia, para ser mais preciso, até que ontem, o menino abafado se desequilibrou e caiu, o chão de seu velho elevador cedeu. Otávio morreu na hora, caiu do elevador e se libertou lá embaixo.