Morrer
não é verbo fácil
Nunca
vi um em vida
Viver
também não
São
poucos que encontrei.
Sombras
têm aos cachos
É um
estado de espírito estável
Nem
vivo nem morto
De
um pretume onde luz não entra.
De
uma fronteira quase imóvel
levada
de leste a oeste
pelo
sol,
mas
essas sombras nunca se deixam queimar
disciplinadas
que são,
desconhecem
seu ditador de órbita
como
desconhecem deus.
Meu
primo Zé se banha ao sol de meio dia
Transgrediu
seu lugar de sombra
Este
vive.
O
fato se deu quando ainda criança, era aula de geografia
Zezinho
não acreditava na professora
Teimosia
infantil
A terra
não podia ser redonda,
era
quadrada
e havia uma queda sem fim depois dela
para
além do real
para
além da visão dos olhos.
O
menino cresceu e ganhou bigodes
Expulso
da escola, expulso da família
Marginalizou-se
e construiu um barco
Nadar
contra a maré
Atravessar
as ondas contrárias era seu destino.
Negar
a si mesmo, para poder ser.
Navegou
todos os oceanos, até encontrar o fim da linha,
o inicio imagético.
A queda
sem fim
O buraco
do coelho
O precipício
de dentro
Como
a leitura da poesia
O caindo
sem cair.
Os
ventos que sopraram a vela do barco
vinham
de sua imaginação
De
tanto sopro
libertou-a
de vez
Rasgou
a cabeça
Zé
passou a imaginar antes de ver, ótica criativa.
Maluco!
Vagabundo!
A terra
era quadrada!
Expulso
de casa e das instituições
Meu
primo ganhou o mundo
Hoje
a rua é seu lar, somente as calçadas sujas e a polícia lhe dão abrigo
A calçada
para lhe oferecer seus ensinamentos de chão
A polícia
para lhe ensinar porrada e prisão.
Zé
era o paradigma por vir
Não
havia olhos para vê-lo
Não
havia ouvidos para escutá-lo
Não havia ciência para comprová-lo
Uma
verdade inaceitável.
Proibida
de ser dita
como
se não houvesse solo para a raiz da rosa.
Ou
linhas para a prosa.
Em
dias de chuva, como hoje,
quando
o sol também se esconde
aproveito
a ausência das pessoas, sombras nulas,
para
visitar meu primo.
Zé
é o mundo.
De
um fogo louco que me aquece
De
uma luz que embaralha o olhar
Dispo-me
de meus trajes
Deito-me
na terra molhada e escuto-o
suas
experiências são fantásticas
a
queda da terra quadrada é a melhor
leitura
literária.
Meu
primo me ensina a pisar no precipício.
Se
a utopia está no horizonte
Ultrapasse
o horizonte e caia na queda
Para
além da terra quadrada
imaginar
o mundo é o princípio.
Ensina-me
a ser livre.