sábado, 1 de setembro de 2012

O olhar sensível


Fazia muito tempo que meus olhos não viam longe
Que não viam distantes
Que não viam quilômetros
Que não saiam por aí para brincar
Era tanto espaço, tanto vento solto,
Tantas estrelas, tanto luar,
Tanto chão e tanto ar
Que até me sentia livre
Sem paredes, sem quadrados
Sem repressões de cimento para os olhos
E sem ruas que guiasse os passos futuros
O caminho estava livre
E os olhos queriam correr
Pareciam crianças ansiosas ao ver um parque de diversões
Correram que correram
Subiram em árvores
Beijaram o rabo da vaca
Conversaram com a uva, se identificaram muito
Nadaram
Pularam entre os morros
Pularam entre as estrelas
Mas respeitaram o repouso da mãe lua
E pediram sua benção
Os olhos se despiram
De seu ver civilizado
Esqueceram-se de olhar para frente
E bateram num rígido tronco de árvore
Se esbugalharam em pedaços
E riram que riram
Tal qual criança travessa
Foi quando estraguei meus olhos
Quando desregulei meu olhar
O olhar criança,
O olhar estrangeiro
O olhar transgressor
O olhar sensível
A partir desse dia
Passei a ter um olhar sensível para as coisas
Tal qual o poeta
E quando voltei para as paredes
Para os condomínios
Para os paralelepípedos
Para o centro
Para a prisão dos olhos
Eu já via diferente
Via invisibilidades gritantes
Via o que não tinha cor,
A esperança
Via o que não tinha formas
A dor
Via o que não tinha massa
A fome
Via a inspiração e a expiração
que caminhavam em marcha lenta
A inspiração que entrava em depressão.
Via a singularidade
A incompletude
e o inconformismo
no conforto do conformismo.
A vida e a poesia
que se espremiam e se confundiam.
A dor, a espera e a esperança
A leitura, a escrita e a luta
Os olhos sensíveis passaram a ver
Passaram a se mover
E passaram a produzir lágrimas também.
Como os olhos de um romântico sonhador.

Um comentário:

  1. A vida e a poesia pra sempre confundidas, pra sempre necessárias em meio ao riso sério e estridente que ecoa dentro das paredes, nos vãos, nas muragens.

    ResponderExcluir