segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O menino que rasgava saias.

Era um menino arteiro e sorridente, mas a mãe nunca soube dizer o que veio primeiro, a arte ou o sorriso. Todos queriam saber se ele sorria porque era arteiro, ou era arteiro porque vivia sorrindo. Essa necessidade de ordenar os fatos. Alinhar o tempo. “Cronologizar” os sentidos. Mas o menino não. Ele não gostava de fórmulas, de ordens, de regras, de filas, de respostas universais e de verdades. O menino gostava da desordem. E o sorriso era sua resposta para a cientificidade do mundo.
Na escola, nas aulas de matemática, o menino contava os números assim:
1, 2, 4, 15, 20, 28, 5, 8, 1, 44, 12...
Ele não gostava de reproduzir.
Nas aulas de português também era assim, e a professora, coitada, insistia em dizer:
- Dislexia.
Só porque o menino gostava de trocar os sentidos das coisas, gostava de pintar de azul as coisas. Escrevia um mundo seu, inventava suas verdades mutáveis, e isso era a liberdade para ele. Gostava de inventar textos. Mas a língua pronta e acabada não gostava de beijá-lo, não permitia ousadias. E as professoras o presenteavam com um zero. Mas o menino gostava do zero, tão misterioso, tão nem aí para o mundo.
Até no amor era assim, misturava tudo. Matrimônio, amor, amigos, paixão, namoro, tesão, colegas, afeto, amantes, paqueras, e até mesmo o desconhecido. Tudo era passível de ser amado, em qualquer lugar, em qualquer posição. A ordem não importava.
Mas o menino queria ver todo mundo junto. Todos seus amores sob o mesmo céu. Começou a rasgar despedidas, a cortar o tecido que tecia a solidão. Não por egoísmo, apego ou ânsia de domínio alheio, o domínio acompanha a ordem, e o menino gostava da desordem. Gostava de estar no canto das borboletas, no canto das ondas, no canto dos araçás. Gostava de escutar o canto do quarto, o canto da estrada, o canto da lagoa.
E assim o menino começou a rasgar saídas, saidinhas e saias. Não por assédio, mas o menino cansou de ver pernas o deixarem só. E rasgou a saída na altura do joelho.

Para que você não saia.
Para que ele não saia.
Para que ela não saia.
Para que a saída não saia.

E a dança libertou as pernas, e a saia rasgada libertou a dança. E cada um bailou conforme o seu eu conduzia, era o encontro entre o Eu e o Outro, que era a música. E a dança desordenou a métrica. Cada um foi para um lado, para um canto, para um morro, para um mar, para um céu, para um vento. E ninguém mais se viu, ninguém mais se falou, ninguém mais se amou. A saia rasgada libertou a liberdade..

E agora sim o menino podia dormir sem medo, pois só a liberdade não deixa ninguém só à noite.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog Ailton! Lindos textos muito bem escritos =) Sucesso, beijos

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