domingo, 12 de agosto de 2012

O menino que conheceu a menina gente grande.


Primeiro foram os pés que se conheceram. É que eles dançavam o mesmo passo, pisavam com a mesma suavidade. E de tanto dois para lá e dois para cá, acabaram se esbarrando. É que ninguém sabe direito onde fica o lá e o cá, então, quando o lá e o cá se cruzam é porque duas vidas também se cruzam. O encontro entre o lá e o cá é a intimidade explícita dos pés, é o amor livre de censuras e julgamentos, não porque eles se amam por baixo dos panos das calças, é porque eles abandonaram a privatização amorosa, e tem amor para todos ali embaixo, entre os quatro pés, entre os vinte dedos. E na unicidade do encontro e na multiplicidade do amor duas histórias se esbarram. A do menino arteiro e a da menina gente grande.
Não que a menina fosse grande, é que a menina não sabia brincar. E por isso se achava grande. Dizem que as pessoas grandes desaprendem as brincadeiras de infância, como correr com o vento. E a pequinesa humana é logo substituída pela centralidade umbilical dos homens. Homens e mulheres se tornam tão grandes que se bastam em si mesmos.
Mas o menino adorava correr atrás do vento.

           E ele, ao pé do ouvido da menina - os pés dos ouvidos também se amam – disse:

- Que tal subtrairmos o dois pra lá pelo dois pra cá e zerarmos qualquer espécie de distância possível?

A menina grande levantou a saia, descalçou os pés, e sem que ninguém visse, começou a correr. A menina tirou o menino para brincar.
E os dois corriam de cá para cá, o menino corria atrás da menina, e como ela era grande, não era qualquer brisa, era um tufão. As duas histórias que se cruzavam brincavam juntas de ser vento. E para isso só bastava sair do salto e fechar os olhos. Corriam entre, sobre, sob, pós e ante o vento. Quem via de longe jurava de pés juntos que menino e menina se transformaram em vento, que foram comidos pelo tufão.
Foi um parênteses de vida. Algo indizível, indemonstrável, irreplicável. Que só podia ser visto, a olho nu, de dentro do parêntese. Mas algumas pessoas não viam, é que essas vestem os olhos com apetrechos que repelem a trivialidade. Um parêntese cheio de cruzamentos entre o cá e o lá.
Mas foi só um tufão que arrepiou os cabelos e passou. Passou que passou, e o parêntese de vida se fechou. O menino enlouqueceu. Porque o maior nível de consciência é a loucura, e vice-versa. Como caminhar depois da corrida? Pensava ele. A mudança repetida entre o lá e o cá martelava sua cabeça, ele precisava do cruzamento, de estar dentro do parêntese.

Dois para lá, dois para cá                 Dois para lá, dois para cá

        Dois para lá, dois para cá                     Dois para lá, dois para cá  Dois para lá, dois para cá
Dois para lá, dois para cá  Dois para lá, dois para cá                       Dois para lá, dois para cá

Um pra cá   prá cá pra cá pra cá

Cá cá cá cá cá cá cáááááááááááááááááááááááááááá...

O menino virou cientista, trabalhava com a química e com a física, conduzia reações e elementos. Queria reproduzir o tufão. Queria reproduzir a brincadeira de correr atrás do vento. Mas faltava a outra história entre tanta alquimia, faltava o cruzamento entre o cá e o lá das duas histórias de vida. Faltava a relação amorosa entre os pés, a conversa entre os pés do ouvido e a corrida descalçada de criança. O problema é que o menino virou um menino grande.
E o menino cientista, sozinho em seu laboratório, não conseguiu replicar o parêntese de vida. É que toda vez que ele dava dois passos para cá o parênteses se ia dois passos para lá. Como o bailar da utopia.  


Mas bonita mesmo é a história dos pés.

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