Gosto de ver o pássaro.
O pardal, tão comum,
tão cinza, tão mais um.
Tão João ninguém,
tão despercebido, tão rotina.
Tão só mais um zé
pousado sobre o fio elétrico
O pássaro que nossos
olhos já não veem.
Mais um pardal, entre
tantos pardais, mas gosto de olhá-lo.
Aqui ele é tão
singular, tão único.
Não necessariamente
mais um pardal,
Mas é o pardal, aquele
que consegue voar
Em terra de cegos quem
tem um olho é rei
Aqui
Em terra de presos,
quem sabe voar é rei
Por isso, enquanto
entrego livros entre a portinhola enferrujada
O voo do pássaro me é
tão bonito
mais vale um passarinho voando do que dois na gaiola
E vejo quem é rei voar
A liberdade dentro da
prisão
O voo entre as grades.
Gosto da ingenuidade de
seu bater de asas, que se diz livre.
Que se diz voar sobre
um campo florido
Que se diz saber voar,
mesmo dentro da prisão.
E tudo se confunde,
liberdade, prisão
Prisão, liberdade,
liberdade, prisão.
E eu que não sei voar?
Mais um preso?
Aqui e lá fora.
Dentro, fora
Fora, dentro, dentro,
fora
Tudo se confunde
E quando sair daqui,
ainda não voarei
E a prisão eu carrego
comigo nos pés, mesmo vendo os pássaros
que não representam
mais a liberdade,
porque no céu azulado
tudo se confunde
tudo passa a ser mais um.
Gosto de ver o pássaro
Enquanto a liberdade
caminha ao lado das grades em passos lentos, não sei se para frente
ou para trás, para dentro ou para fora, é tudo uma questão de
asas.