Leonard
acordou ofegante, mais assustado que cansado.
Suas
mãos pareciam calejadas. Estavam tensas, procurando algo para se apertarem,
para redescobrirem a existência.
Vagarosamente
Leonard retomou a consciência, como se ela estivesse ao alcance das mãos e dos
olhos, ao lado de Kafka, sobre a cabeceira da cama.
Ainda
era noite e o quarto permanecia num breu quase total. Talvez por isso, e essa
foi a explicação que Leonard lhe deu, a consciência não funcionou como antes.
Algo estava fora do lugar. Não fisicamente, as pernas não foram substituídas por
patas de um inseto monstruoso. O que saíra do lugar foram certas verdades
estruturais, como se suas colunas gregas estivessem em destroços.
Deitado
na cama retomou o sonho que tivera durante à noite.
Na
viagem noturna sonhara que era um macaco. Todos os seus pelos cresceram, ele se
sentia confortável. Os braços aumentaram, ele se sentia forte. Mas sua racionalidade
continuava a mesma. Mantinha sua memória de homem do séc. XXI. Assim, Leonard
desfrutou das vantagens de ser um macaco.
Vivia
na floresta e era o único animal que reinava naquele habitat que parecia imenso
e quase infinito. Para todos os lados eram árvores, todas crescendo e frutificando.
Para
se locomover Leonard não usava as pernas, não conseguia ficar ereto.
Desenvolveu uma técnica muito mais eficaz, usava a força dos braços para pular
de cipó a cipó, era como se voasse entre as árvores. Com as mãos tensas o novo
macaco segurava-se num cipó e depois em outro e depois em outro. Os cipós, não
resistentes a força do macaco, sempre caíam. Para Leonard não cair, para não
despencar de sua nova existência, apertava ainda com mais força, num cipó ainda
mais alto.
Quando
a racionalidade do homem do séc. XXI veio à tona, vencendo o instinto animal,
Leonard percebeu que estava preso na floresta, refazendo os mesmos movimentos.
Que um cipó só levava a outro cipó. As paisagens eram sempre repetidas.
Nesse
momento de iluminação um cipó jogou Leonard, violentamente, sobre uma biblioteca.
O homem caiu sobre milhares de livros e quando percebeu estava mergulhado numa
biblioteca que parecia ser infinita.
O homem ficou feliz de ter novamente
suas mãos delicadas e seu polegar opositor. Movido pelo instinto Leonard andava
de livro em livro, pulava de teoria em teoria. E assim, como os cipós, as
teorias caíam. As verdades despencavam e Leonard, para também não cair,
agarrava-se ainda com mais força em outro livro.
Não existiam evidentes diferenças
entre o macaco e o homem, nem entre os cipós e os pensamentos. Os pensamentos,
no sonho de Leonard, eram como frutas no pé de uma macieira, que duram seu tempo e
depois caem. Como tudo na natureza. Assim, o homem, para não cair, pula de
pensamento em pensamento e quando um cipó quebra e cai, o homem se agarra em
outro, fantasiando um movimento linear e evolutivo.
Todas essas imagens e incompreensões
permearam os pensamentos de Leonard por um longo período após seu despertar.
Até que a alvorada veio anunciar
mais um novo dia e o sol raiou iluminando o quarto ainda escuro, revelando aos
poucos os livros na estante.
Leonard, com medo de repetir os
caminhos, levantou e fechou a janela.
E
caiu.