- Pai? Paaai!
- O que é Dourival? Por que
chegou assim agitado da escola? O que você aprontou dessa vez?
Já não disse para obedecer as
normas da escola?
- Não pai, é outra coisa.
Aprendi algo muito interessante hoje
- Ah! Fala sério Dourival. Na
escola? Só se foi no recreio.
- Na aula pai, com a
professora.
- Sério mesmo? Aprendeu algo
na escola?
- Sim pai. Aprendi gramática
normativa. E tudo ficou tão claro. A professora disse que existe a língua e
existe a gramática. A gramática é da língua, mas as pessoas acham que é tudo a
mesma coisa e pensam que a gramática normativa é a língua. Então, esquecem a
língua e valorizam a gramática, numa tentativa frustrada de naturalizar a
gramática normativa em seus usos diários.
- E?
- Como assim, não sacou? É
igualzinho no amor. Eu perguntei pra professora o que era a língua, ela disse
que não sabia, pois era professora de português e ali na escola só podia me
apresentar a gramática.
- Mas e o amor Dourival, o
que tem a ver com tudo isso?
- Ninguém sabe o que é o amor
direito pai. Mas a maioria das pessoas está casada ou namorando, todos vivem um
relacionamento. O amor é a língua e o relacionamento é a gramática normativa.
As pessoas acabam confundindo amor e relacionamento e pensam que namorar ou casar
é amar. E no fim, esquecem o amor e vivem o relacionamento. Vivem as regras da
gramática pensando que tem algo a ver com o amor. Certo ou errado. Permitido e
não permitido, tudo padronizado. Regras arcaicas. Tem até sua metalinguagem:
Fidelidade, devoção, honestidade, exclusividade de tudo. Todas essas
palavrinhas que somos obrigados a decorar. Hoje eu decorei Hobigeto Direto na
aula de gramática. E você pai, teve aula de relacionamento ou de amor hoje?
- Bem, dormi no sofá essa
noite, devo ter errado algo, isso é relacionamento não é?
- Pai, nem se você acertasse
você acertaria. Regras são regras, acordadas nem por você e muito menos pela
mamãe, mas por que vocês a aceitaram?
A aula hoje foi boa, pena que a
professora não saiba. Professor de português e a língua portuguesa devem ser
namorados. Namorados que esqueceram o amor e vivem nas regras do
relacionamento.
Interessante, para tudo deve existir uma
gramática. Por isso que essa vida anda tão chatinha.