Fechem as janelas
as portas
as venezianas
os olhos
e os ouvidos.
Ventos intrusos
que folheam as páginas do conto
que mudam as leituras
o lugar das coisas
e as coisas do lugar
vão entrar.
as imagem mudam
os olhos mudam
a boca muda
ventos intrusos
que trazem palavras
contrapalavras
histórias
vividos
ventos que entram pelas paredes
que despenteiam meu cabelo
e meu sorriso
ventos intrusos
que não são de ninguém
que entram sem pedir
e que me diz
que me encontra
que me leva
que me traz
que, num sopro ao ouvido,
me apresenta um outro Eu.
[...]A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos. Manoel de Barros.
sábado, 29 de setembro de 2012
domingo, 23 de setembro de 2012
Confissões do menino estudioso.
Entender a ordem,
a disciplina
e o comportamento em uma roda punk
é fácil.
Difícil mesmo é
entender a lógica da
roda de interpretação de texto
que a professora de português propõe.
a disciplina
e o comportamento em uma roda punk
é fácil.
Difícil mesmo é
entender a lógica da
roda de interpretação de texto
que a professora de português propõe.
domingo, 16 de setembro de 2012
O menino que virou lembrança de si mesmo.
A culpa
de tudo foi de Doralice, ela que invadiu a memória do menino sem
permissão. E não saia de lá por nada. O menino então resolveu
apagá-la, foi à livraria e comprou uma borracha. Uma borracha que
apagava gente.
O menino queria apagar a lembrança de Doralice. Apagou a própria
cabeça, só deixou o pescoço. Já não via, ouvia e nem falava, mas
ainda lembrava. O menino teve que apagar um pedaçinho do pescoço,
criou um buraco para a comida entrar. É difícil comer sem cabeça,
mas ele se acostumou com o tempo. Foi então que começou a comer
pedras, tudo que ele achava no chão comia. Coisas esquecidas,
rabiscos rabiscados e intermináveis, as coisas esquecidas antes do
fim. Ele se alimentava de esquecimentos.
As
crianças do bairro riam do menino sem cabeça, chamavam-no de Palito
de fósforo, mas para quê serve um palito de fósforo sem
cabeça?
O
problema maior é que ele ainda lembrava-se de Doralice, a menina das
lembranças. Se apagar a cabeça não adiantou, por que não apagar o
coração. Sua razão estava falha desde que a cabeça virou pó. Sem
piedade, apagou o coração. Por sorte não morreu, agora ele comia
pelo buraco do coração. As meninas riram, falaram que ele não se
apaixonaria mais na vida e que nenhuma menina iria amar alguém sem
coração. O amor vive de trocas, se tu não tens um coração
para me dar, nada vale amar. O menino nem tinha olhos para as
outras meninas, só lembrava-se de Doralice, essa sim tinha uma
relação estreita com as lembranças.
O menino
queria apagar as lembranças. As lembranças que doíam à noite. Mas
onde mora a lembrança? Será que a Doralice mora onde a lembrança
mora? Será que elas dividem quarto? O menino só queria apagar o
quarto onde a lembrança e a Doralice dormem. Mas o menino não sabia
apagar memória, na escola só o ensinaram a apagar palavras e
números, coisas de lápis, não da vida.
Sem
cabeça e sem coração o menino resolveu apagar seu pênis. Foi uma
ação engajada, queria apagar qualquer questão de gênero. Uma
busca por liberdade, sem classificações e estereótipos. Busca em
vão, coitado. Quando ele apagou o pênis toda a cintura apagou-se
também. Foi uma confusão. As pernas estavam livres e começaram a
correr por todas as direções. Eram pernas que andavam sozinhas.
Eram pernas que andavam com as próprias pernas, o que não deixa de
ser liberdade. Teve um dia que a perna esquerda saiu para comprar um
cigarro e nunca mais voltou.
Após
duas semanas o menino ficou assim: sem uma perna, sem a cintura, sem
o coração e sem a cabeça, mas ainda era um menino bonito. O
problema, mais uma vez, é que a lembrança de Doralice permanecia
forte. Acho que com a ausência do coração e da cabeça sobrou mais
tempo para a lembrança de Doralice.
Doralice,
a menina que vivia lembrando-se da vida, do tempo de criança, foi
morar na lembrança do menino, lembrança tão forte e tão grande
que acabou por apagar o menino por inteiro.
Sim,
numa gélida noite o menino resolveu se apagar por inteiro, mesmo sem
a mínima noção do que é o ser inteiro. Apagou o pescoço, como
quem se suicida na forca. Apagou a perna direita, o peito, a barriga,
a braço esquerdo, o braço direito. Não sobrou um pelinho para
contar a história. O menino sumiu.
Apagou tudo, mas esqueceu das lembranças, a borracha não chegou lá.
E o menino que não tinha pulmões para respirar e nem pele para
coçar virou memória, virou lembrança. Foi morar no espaço e tempo
da lembrança. E é lá que todos os sábados à tarde ele encontra
Doralice para tomar um sorvete e lembrar dos tempos de meninice.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Poeminha ridículo.
E já dizia Fernando Pessoa, "Toda carta de amor é ridícula, se não for ridícula não é uma carta de amor".
Avisem aos marinheiros
ou às árvores de plantão
Que se caso eu morrer
[de alegria]
a culpa é da Marília
Avisem aos companheiros
e também meu pobre irmão
Avisem às paredes
[só as com ouvido]
e não esqueçam dos amigos
Corram lá e certifiquem minha avó
e os que já foram dessa pra melhor
Deixo aqui meu recado
você fique avisado
se eu morrer de alegria
a culpa é da Marília
se eu morrer de alergia
a culpa é da Marília
se eu morrer de hemorragia
a culpa é da Marília
mas se eu morrer de amor
a culpa, mais ainda, será da Marília.
Avisem aos marinheiros
ou às árvores de plantão
Que se caso eu morrer
[de alegria]
a culpa é da Marília
Avisem aos companheiros
e também meu pobre irmão
Avisem às paredes
[só as com ouvido]
e não esqueçam dos amigos
Corram lá e certifiquem minha avó
e os que já foram dessa pra melhor
Deixo aqui meu recado
você fique avisado
se eu morrer de alegria
a culpa é da Marília
se eu morrer de alergia
a culpa é da Marília
se eu morrer de hemorragia
a culpa é da Marília
mas se eu morrer de amor
a culpa, mais ainda, será da Marília.
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Confissões do menino sol
A árvore que a minha mãe plantou
começou a dar pés de guarás.
Pés, cabeças e asas de guarás
Era a árvore mais florida da rua
e por isso a mais bonita.
mas todo dia de manhã era
uma cantoria de guará
E não era só guará vermelha não
era uma árvore de todas as cores.
O frutos eram muito saborosos
e cheiravam a bater de asas.
Teve um dia que comi
um guará podre, sujo de chão
minha cabeça pintou-se de azul
e meu dedão do pé, de vermelho
me colori
criei asas
dessas que voa
e voei.
voei que voei
eu era todo pena
mas feliz.
Agora eu falava a língua dos guarás
E foi assim que descobri
que as aves
são pedaços de sol
as árvores e as flores também.
e eu também.
começou a dar pés de guarás.
Pés, cabeças e asas de guarás
Era a árvore mais florida da rua
e por isso a mais bonita.
mas todo dia de manhã era
uma cantoria de guará
E não era só guará vermelha não
era uma árvore de todas as cores.
O frutos eram muito saborosos
e cheiravam a bater de asas.
Teve um dia que comi
um guará podre, sujo de chão
minha cabeça pintou-se de azul
e meu dedão do pé, de vermelho
me colori
criei asas
dessas que voa
e voei.
voei que voei
eu era todo pena
mas feliz.
Agora eu falava a língua dos guarás
E foi assim que descobri
que as aves
são pedaços de sol
as árvores e as flores também.
e eu também.
domingo, 2 de setembro de 2012
O menino que se perdeu
O menino moderno,
todo cheio de si
Todo dono de si
mesmo
Saiu para explorar
as terras vizinhas
Abriu a porteira do
sítio da avó
E saiu por aí
Queria ser um
desbravador
Como os
super-heróis que ele conheceu
Nas aulas de
história
Deixou a barba
crescer e comprou uma espada
Galopeou com seu
cavalo branco
Atravessou rios
Subiu e desceu
montanhas
Se apaixonou por
uma índia
Caçou animais
Foi caça de animais
Aprendeu línguas
Desaprendeu línguas
Conheceu pessoas
O seu Antônio, a
Fátima
O Zé azul, o Márcio
da dona Zuleide
O butiado, esse
adorava comer butiá.
Desaprendeu pessoas
Todas elas.
O menino desbravou
que desbravou
E a terra já não
importava
A terra girava, era
isso
Como tinha de ser,
A terra girava.
e o menino se
perdeu
o menino moderno se
perdeu
e voltou para o
sítio da avó chorando,
chorava que chorava
estava em prantos
desnorteado
chorava que chorava
a mãe tentou acalmá-lo.
- Calma meu filho,
se recomponha. Você não está mais perdido, você está aqui em casa.
O menino enxugando
as lágrimas, falava chorado, suponho que saiba como é falar chorado?
- Mãe, mas eu me
perdi e não me encontro mais. Eu me perdi de mim – agora ele chorava
desesperadamente – é que esse bolo de fubá não tem mais o mesmo cheiro, essa toalha
de louça não seca mais as mesmas coisas, a sua voz tem outro peso, as palavras
dizem diferente.
É que o Eu ficou
por lá, eu me esqueci lá na cachoeira e quando voltei eu já não estava. Não me
achei mais. – o menino continuou falando chorado – acho que fui levado pelo rio
mãe. Eu nunca vou me achar?
A mãe, falava com
um sorriso escondido na boca, sabe como é?
- Vai ser difícil
menino, esse rio não tem retorno, são águas irrepetíveis. Mas deixe de chorar, isso
normalmente acontece com quem costuma viver. Um eu em cada esquina. Um eu em
cada outro. Um eu em cada bolo de fubá. Só é um pouquinho difícil lidar com
isso.
O menino sorriu. A
mãe já falava sem esconder o sorriso.
- Agora venha cá comer
esse bolo de fubá, aposto que você nunca comeu um bolo tão gostoso na vida.
sábado, 1 de setembro de 2012
O olhar sensível
Fazia muito tempo
que meus olhos não viam longe
Que não viam
distantes
Que não viam
quilômetros
Que não saiam por
aí para brincar
Era tanto espaço,
tanto vento solto,
Tantas estrelas,
tanto luar,
Tanto chão e tanto
ar
Que até me sentia
livre
Sem paredes, sem
quadrados
Sem repressões de
cimento para os olhos
E sem ruas que
guiasse os passos futuros
O caminho estava
livre
E os olhos queriam
correr
Pareciam crianças
ansiosas ao ver um parque de diversões
Correram que
correram
Subiram em árvores
Beijaram o rabo da
vaca
Conversaram com a
uva, se identificaram muito
Nadaram
Pularam entre os
morros
Pularam entre as
estrelas
Mas respeitaram o
repouso da mãe lua
E pediram sua
benção
Os olhos se
despiram
De seu ver
civilizado
Esqueceram-se de
olhar para frente
E bateram num
rígido tronco de árvore
Se esbugalharam em
pedaços
E riram que riram
Tal qual criança
travessa
Foi quando
estraguei meus olhos
Quando desregulei
meu olhar
O olhar criança,
O olhar estrangeiro
O olhar
transgressor
O olhar sensível
A partir desse dia
Passei a ter um
olhar sensível para as coisas
Tal qual o poeta
E quando voltei
para as paredes
Para os condomínios
Para os paralelepípedos
Para o centro
Para a prisão dos
olhos
Eu já via diferente
Via invisibilidades
gritantes
Via o que não tinha
cor,
A esperança
Via o que não tinha
formas
A dor
Via o que não tinha
massa
A fome
Via a inspiração e
a expiração
que caminhavam em
marcha lenta
A inspiração que entrava
em depressão.
Via a singularidade
A incompletude
e o inconformismo
no conforto do
conformismo.
A vida e a poesia
que se espremiam e
se confundiam.
A dor, a espera e a
esperança
A leitura, a
escrita e a luta
Os olhos sensíveis
passaram a ver
Passaram a se mover
E passaram a
produzir lágrimas também.
Como os olhos de um
romântico sonhador.
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