O
sol voltou a se abrir
Eu
voltei a não entrar.
A
chuva voltou a pingar
Eu
a continuar seco.
Caiu
com a chuva, mas longe da chuva.
Chove.
Chove. Chove.
A
teia de aranha é uma boa cama.
Ela
dizia:
-
Você tem uma boa relação com a natureza.
-
Mas não é natural, é social. Isso não pode ser natural, essa azia que não passa
nunca. Eu precisaria de outra boca, outro estômago, outros intestinos para
digerir os frutos do homem. Não era para eu estar assim.
-
É gastrite?
-
mas meu nariz também dói. A respiração está comprometida.
-
Está gripado?
-
Não. É sem muco. É algo seco.
-
Febre?
-
É algo frio. Distante de mim. Dói quando eu abro o olho.
-
Então é enxaqueca?
-
Não, a cabeça nem uso mais. Nem pesa. Não serve para nada. Resolvi tirá-la,
guardo junto às fotografias do passado.
E
ela continuava a tentar me convencer de que o que eu sentia era uma doença. Mas era
difícil encontrar um nome que combinasse com o que eu sentia. Deveria inventar
um nome para ter domínio sobre meu estado, mas não queria dominar mais nada.
Deixa assim, sem nome, sem compreensão, sem estabilidade, sem remédio.
E
ela dizia:
-
Deve ser diarréia.
-
Não. Cheira igual, mas algo esvaziado. Algo afundado, frio. Começa no estômago
e vai escavando até o coração e membros. O cérebro já não há. Tem cura?
(Até
a instabilidade é uma questão de fé. Até o não-lugar desconstruído pela
terceira vez é uma questão de fé. Buscar a doença é uma maneira de se curar)
-
Não tem cura menino. É social. Estás todo esburacado.
-
Então eu sou um buraco mesmo?
(Agora
eu busco nomes)
- Não, você não é um buraco. És o vão do buraco. A parte que não se pisa, que só cai. A parte desgrudada. A parte do buraco sem terra alguma.
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