O menino brincava na terra
a terra em que seu pai, seu avô
seus amigos e sua mãe nasceram
o menino brincava despropositado
desenhava na terra
e deixava um pedacinho do dedo em cada traço
o pai admirava a liberdade da infância
e refletia sobre a liberdade da liberdade.
Depois de uma hora o pai disse:
Prepare-se filho, amanhã vamos viajar
vamos todos para a morte.
O menino respirou fundo
encheu-se de alegria
e foi divulgar a notícia para as outras crianças:
Meninos e meninas, preparem o coração
amanhã vamos visitar a morte.
Todos ficaram muito ansiosos.
[...]A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos. Manoel de Barros.
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
A imposição da felicidade.
O menino chegou em casa chorando
nem falou com a mãe
se trancou no quarto
para chorar um pouco mais
A mãe sabia que hoje era dia de provas
na escola.
Com cuidado foi ver o menino
- O que foi filho?
e o menino com lágrimas de raiva disse
caiu na prova um conteúdo que nunca tínhamos visto na escola,
por que a professora fez isso, mãe?
E o que ela fez filho?
A professora disse para nos organizarmos
em filas e sermos felizes.
E daí?
Daí que eu não sei como fazer isso
tenho medo de reprovar de ano.
nem falou com a mãe
se trancou no quarto
para chorar um pouco mais
A mãe sabia que hoje era dia de provas
na escola.
Com cuidado foi ver o menino
- O que foi filho?
e o menino com lágrimas de raiva disse
caiu na prova um conteúdo que nunca tínhamos visto na escola,
por que a professora fez isso, mãe?
E o que ela fez filho?
A professora disse para nos organizarmos
em filas e sermos felizes.
E daí?
Daí que eu não sei como fazer isso
tenho medo de reprovar de ano.
sábado, 27 de outubro de 2012
O menino sem lei
O menino nasceu no entrelugar
na terceira margem do
rio
mas nada tinha de
literário.
O menino era margem
de si mesmo
excluído da própria
condenação
um olhar nulo
de um lugar nulo
daqueles ninguéns
que nascem com duas
opções
ser um fora da lei
[bem comum por
ali]
Ou ser um desleiado
Sem leis e direitos
básicos
O esquecido
legalmente
Sem direito
Sem escola
Sem energia
Sem palavra
Sem amor
Ser tapete
que além de ser
pisado
serve para esconder a
sujeira
Dúvida difícil.
O menino resolveu
escrever suas leis
escrever sua vida
escrever uma outra
opção
Mas o coitado
desconhecia as letras
O sistema
[Alfabético]
Não sabia escrever
Atravancou na
primeira linha
Morreu na primeira
esquina
O passarinho também
morreu.
sábado, 20 de outubro de 2012
O menino e o político
O menino morava no
mato.
No meio dos matos, porque eram vários matos
e várias distâncias.
Moravam o pai, a mãe e o menino.
o pai se chamava pai
a mãe, mãe
e o menino, menino.
O vizinho também se chamava vizinho
porque só tinha um.
o cachorro também era cachorro
e assim a vida seguia.
No meio dos matos, porque eram vários matos
e várias distâncias.
Moravam o pai, a mãe e o menino.
o pai se chamava pai
a mãe, mãe
e o menino, menino.
O vizinho também se chamava vizinho
porque só tinha um.
o cachorro também era cachorro
e assim a vida seguia.
Na economia
dos nomes.
A vida quase extinta
a comida faminta
e a palavra rara
quase calada.
Na casinha de barro no meio do mato
só havia um lápis
por isso o menino tinha que inventar sua poesia
para que as palavras não acabassem antes do fim da linha.
O menino transgredia as palavras
escrevia com o dedo
nas nuvens
escrevia com o joelho
nas pedras
e com os olhos
no céu
ele fazia poesia fora do papel
A vida quase extinta
a comida faminta
e a palavra rara
quase calada.
Na casinha de barro no meio do mato
só havia um lápis
por isso o menino tinha que inventar sua poesia
para que as palavras não acabassem antes do fim da linha.
O menino transgredia as palavras
escrevia com o dedo
nas nuvens
escrevia com o joelho
nas pedras
e com os olhos
no céu
ele fazia poesia fora do papel
E a terra o
escrevia no barro
porque as palavras ali eram poucas
e porque eram poucas
o cachorro resolveu morrer
assim como fez o gato, a galinha e a mosca.
E com o passar do tempo as palavras iam morrendo
secando
sumindo
O pai e a mãe andavam preocupados
mas evitavam falar.
E na mudez mais seca vivida no mato
o menino ainda fazia poesia.
Se as palavras fossem fartas
e mãe chamaria o menino de maluco
porque as palavras ali eram poucas
e porque eram poucas
o cachorro resolveu morrer
assim como fez o gato, a galinha e a mosca.
E com o passar do tempo as palavras iam morrendo
secando
sumindo
O pai e a mãe andavam preocupados
mas evitavam falar.
E na mudez mais seca vivida no mato
o menino ainda fazia poesia.
Se as palavras fossem fartas
e mãe chamaria o menino de maluco
de desordenado
de mau das ideias,
mas o silêncio seguia.
E nesse tempo de silenciamentos
a casa de barro, no meio dos matos,
conheceu o político
era um homem alto e bonito
e cheio de palavras
chegou em boa hora
a mãe já estava quase morta, mesmo sendo uma palavra pequena
O político trouxe palavras e mais palavras
fartura sobre a mesa
E nesse tempo de silenciamentos
a casa de barro, no meio dos matos,
conheceu o político
era um homem alto e bonito
e cheio de palavras
chegou em boa hora
a mãe já estava quase morta, mesmo sendo uma palavra pequena
O político trouxe palavras e mais palavras
fartura sobre a mesa
todos se deliciaram
a casa estava cheia de promessas políticas
e promessas era uma palavra que o menino desconhecia.
Todos estavam felizes.
O menino com os olhinhos brilhando
a casa estava cheia de promessas políticas
e promessas era uma palavra que o menino desconhecia.
Todos estavam felizes.
O menino com os olhinhos brilhando
e as ideias cheia
de ideias
pediu a capa preta do super-herói político emprestada
o político riu,
pediu a capa preta do super-herói político emprestada
o político riu,
isso chama-se
paletó, para que você quer menino? – disse.
eu quero voar pelo céu e molhar o mundo com as minhas poesias
assim como você
que voou até aqui e nos molhou de palavras.
O político riu ainda mais e foi embora.
apesar das palavras do político
a mudez permaneceu
e a seca secou.
Depois de um tempo o pai disse, mesmo sabendo que aquelas poderiam ser suas últimas palavras:
político é um animal que em quatro em quatro anos vem se reproduzir no mato.
O menino cresceu
virou um pequeno agricultor
planta e inventa palavras
virou poeta.
eu quero voar pelo céu e molhar o mundo com as minhas poesias
assim como você
que voou até aqui e nos molhou de palavras.
O político riu ainda mais e foi embora.
apesar das palavras do político
a mudez permaneceu
e a seca secou.
Depois de um tempo o pai disse, mesmo sabendo que aquelas poderiam ser suas últimas palavras:
político é um animal que em quatro em quatro anos vem se reproduzir no mato.
O menino cresceu
virou um pequeno agricultor
planta e inventa palavras
virou poeta.
Pena que ele não
pode voar sobre esse mundo afora.
O que você faz da vida?
Acho que Manoel de Barros
e outros poetas
só fizeram advocacia
porque as pessoas não acreditavam
quando eles diziam que o que faziam da vida
era poesia.
e outros poetas
só fizeram advocacia
porque as pessoas não acreditavam
quando eles diziam que o que faziam da vida
era poesia.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Aconteceu hoje.
Uma estudante do curso de literatura morreu engasgada, a caminho do hospital,
após ter tentado engolir um ouriço inteiro.
O tamanho do ouriço era o de um quadrado sem os quatro lados, dividido ao meio,
da cor azul e cheiro de nuvem.
A estudante tentou enfiá-lo
goela abaixo,
mas era impossível digerí-lo.
A mãe da vítima do ouriço assassino relatou que o sonho da filha era ser poeta.
A professora de teoria literária
não quis falar sobre o caso, mas demonstrou-se muito preocupada
com o ouriço.
O médico disse que o ouriço passa bem e alimenta-se com o coração da estudante.
após ter tentado engolir um ouriço inteiro.
O tamanho do ouriço era o de um quadrado sem os quatro lados, dividido ao meio,
da cor azul e cheiro de nuvem.
A estudante tentou enfiá-lo
goela abaixo,
mas era impossível digerí-lo.
A mãe da vítima do ouriço assassino relatou que o sonho da filha era ser poeta.
A professora de teoria literária
não quis falar sobre o caso, mas demonstrou-se muito preocupada
com o ouriço.
O médico disse que o ouriço passa bem e alimenta-se com o coração da estudante.
sábado, 13 de outubro de 2012
Monólogo de meninos.
Eram
dois meninos
cada
um na sua infinitude.
Eram
milhões de meninos
porque
eram milhões de palavras
Outro
que falava de despropósitos
Outro
que falava de seriedades.
Fluidez
e concretude.
Eles
interagiam por meio do desentendimento.
Outro
sorria, outro calculava
Outro
construía, outro soprava
Outro
planejava, outro lançava-se
outro
era instinto
outro
era cientista
Outro
apontava, outro desconhecia
Outro
inventava, outro também.
Era
o próprio castigo de Deus, as chicotadas de Babel.
Mas
como deus escreve o torto por linhas certas
Os
meninos interagiam assim
Nas
concordâncias do desentender
Cada
um no seu tempo,
na
sua cultura de desentender
e
de insignificar as coisas
Porque
os velhos já diziam:
Conversando a gente se arromba.
De
um lado falava-se em peraltagens
Rãs,
formigas, pássaros, árvores e cus.
Do
outro lado falava-se em paradigmas,
Estereótipos,
epistemologia e anus.
Outro
se preocupava com o que se guardava
na
caixa de pandora.
Outro
se preocupava com o material da caixa,
para
reproduzi-la.
Um
mantinha o mistério
Outro
criava as verdades, porque não descobria.
Descobrir a verdade é engraçado,
É supor que ela já existia.
Para
outro experienciar o fantástico, já era o bastante.
Outro,
outro, e mais outros outros.
Outros
que incomodam
que
apertam a nossa bunda, que nos fazem pular
e
no pulo o chão muda
e
é o medo da mudança do chão
que
nos fazemos Narcisos.
Que
mudamos os outros
deixando-os
mudos.
É
a pedagogia de significar as coisas
e
decidir as palavras
e
estabelecer os outros possíveis
mas
os meninos se diziam
se
diziam tanto
que
tapar o ouvido
se
olhar no espelho
foi
preciso.
E
as insignificâncias passaram a estabilizar sentido.
E
a festa acabou
a
luz apagou
não
veio a utopia
e
tudo mofou
sua
doce palavra
se
você gritasse
não
existe porta
outros,
e agora?
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
O menino e a janela do banheiro.
Entrar no espelho nunca foi o sonho do menino.
Se algum dia, talvez, o puxasse pela mão,
ele entraria. Assim como fez sua prima Alice.
Mas o que o menino sempre quis foi entrar na janela do banheiro.
A janela sim era fantástica.
Todos os dias ao tomar banho
- Nem todo dia ele tomava banho.
o menino admirava a janela e sonhava
com o dia em que crescesse o suficiente para alcançar
o céu com as pontas dos dedos.
Lá dentro da janela havia um céu.
Azulado e alaranjado, tão iluminado
quanto um quadro impressionista.
Também tinham
nuvens
148 estrelas, o menino contou.
o dia e a noite.
Tinha uma lua, de diferentes sorrisos,
e volta e meia tinham cinco pássaros
Zé, Fí, Dí, Lu, Tom.
Tudo dentro da mesma janela
a mesma janela do banheiro.
Como pode ter um sol dentro de uma janela tão pequena?
O menino ficava maravilhado com isso.
A professora disse que o Sol tem cerca de 696.342 quilômetros de raio, muito maior que a terra.
Mas o menino discordou, ele falou que o sol é menor do que
sua janela do banheiro.
E Joana completou, se o sol é maior que o mundo, então
ele é do tamanho da vida.
A professora não entendeu nada.
Mas o menino retrucou, se o sol é do tamanho da vida, então
ele é do tamanho do cu de uma formiga.
A professora expulsou o menino da sala de aula, por ter falado palavrão.
O menino saiu da sala e nunca mais voltou.
Seus pais viajaram para a capital.
O menino chorou ao se despedir da janela,
se despediu do dia, do céu, do sol, da nuvem e do Tom, o único pássaro que por ali voava.
Coitado, não pode dar tchau à lua e à noite.
O menino cresceu longe da janela.
Virou astronauta,
amanhã fará sua primeira viagem espacial.
Não vai ao espaço para brincar de nadar no ar
Vai para lembrar do tempo que viajava dentro da janela
dos banhos demorados
das conversas com os pássaros
dos sonhos noturnos com a noite
e conseguir tocar o céu com as pontas dos dedos
para, finalmente, entrar na janela do banheiro.
Se algum dia, talvez, o puxasse pela mão,
ele entraria. Assim como fez sua prima Alice.
Mas o que o menino sempre quis foi entrar na janela do banheiro.
A janela sim era fantástica.
Todos os dias ao tomar banho
- Nem todo dia ele tomava banho.
o menino admirava a janela e sonhava
com o dia em que crescesse o suficiente para alcançar
o céu com as pontas dos dedos.
Lá dentro da janela havia um céu.
Azulado e alaranjado, tão iluminado
quanto um quadro impressionista.
Também tinham
nuvens
148 estrelas, o menino contou.
o dia e a noite.
Tinha uma lua, de diferentes sorrisos,
e volta e meia tinham cinco pássaros
Zé, Fí, Dí, Lu, Tom.
Tudo dentro da mesma janela
a mesma janela do banheiro.
Como pode ter um sol dentro de uma janela tão pequena?
O menino ficava maravilhado com isso.
A professora disse que o Sol tem cerca de 696.342 quilômetros de raio, muito maior que a terra.
Mas o menino discordou, ele falou que o sol é menor do que
sua janela do banheiro.
E Joana completou, se o sol é maior que o mundo, então
ele é do tamanho da vida.
A professora não entendeu nada.
Mas o menino retrucou, se o sol é do tamanho da vida, então
ele é do tamanho do cu de uma formiga.
A professora expulsou o menino da sala de aula, por ter falado palavrão.
O menino saiu da sala e nunca mais voltou.
Seus pais viajaram para a capital.
O menino chorou ao se despedir da janela,
se despediu do dia, do céu, do sol, da nuvem e do Tom, o único pássaro que por ali voava.
Coitado, não pode dar tchau à lua e à noite.
O menino cresceu longe da janela.
Virou astronauta,
amanhã fará sua primeira viagem espacial.
Não vai ao espaço para brincar de nadar no ar
Vai para lembrar do tempo que viajava dentro da janela
dos banhos demorados
das conversas com os pássaros
dos sonhos noturnos com a noite
e conseguir tocar o céu com as pontas dos dedos
para, finalmente, entrar na janela do banheiro.
Criança enrugada.
Ela estava sentada numa cadeira especial
no centro da mesa.
Nem mexia os bracinhos, as perninhas não encostavam no chão.
Estava com as cabeça levada
de bainho tomado e
pronta para dormir na caminha, que já estava com lençois postos.
O prato de mingau estava sob seus olhos.
Enquanto esperava o mingau esfriar aproveitou
para chorar um pouco.
Quando o mingau esfriou, gritou:
- Filha. Vem dá comidinha pra mim.
A filha estava ocupada, lavando louça e envelhecendo. Gritou para o filho.
- Filho. Vai dar mingau na boca de sua avó, está na hora da papinha.
no centro da mesa.
Nem mexia os bracinhos, as perninhas não encostavam no chão.
Estava com as cabeça levada
de bainho tomado e
pronta para dormir na caminha, que já estava com lençois postos.
O prato de mingau estava sob seus olhos.
Enquanto esperava o mingau esfriar aproveitou
para chorar um pouco.
Quando o mingau esfriou, gritou:
- Filha. Vem dá comidinha pra mim.
A filha estava ocupada, lavando louça e envelhecendo. Gritou para o filho.
- Filho. Vai dar mingau na boca de sua avó, está na hora da papinha.
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