Perdi meu
noivo no dia dos namorados, estávamos juntos no mesmo frasco já fazia um ano.
Nossa relação não era seca, era volátil, sempre estávamos cheirosos. Não éramos
franceses, mas vivíamos felizes, e isso bastava. Morávamos no quarto da biscate
– chamo-a assim porque roubou meu noivo – ao lado do livro de Caio Fernando
Abreu e do ursinho rosa e sujo, em cima do criado mudo também rosa, onde a
biscate guardava suas calcinhas e suas maquiagens. Sobre nossas cabeças havia um
grande espelho que ficava encarando a menina olho no olho durante boa parte do
dia.
Ela
vestiu a calcinha, virou de costas para o espelho e se observou, resolveu
trocar de calcinha. Agora sim o espelho aprovou. Sentou na cama e leu um
trechinho de Caio Fernando Abreu, ela nunca terminava uma página. Depois de se
emocionar abraçou o ursinho, era dia dos namorados. Vestiu sutiã, vestido justo
e rosa, sapato alto e com as maquiagens na mão voltou a encarar o espelho.
Pintou os olhos do espelho de azul e preto, a bochecha de leves tons de rosa e
a boca com um extravagante vermelho. O espelho ficou ridículo. Mesmo assim meu
noivo não resistiu, deve ter siso a calcinha, vagabundo.
Com
as mãos de creme de avelã, pegou o frasco na mão e nos pressionou sem carinho
nem compaixão. Foi aí que perdi meu noivo. Ele foi direto ao pescoço dela, bem
como ele fazia comigo. Umedeceu o canto da orelha e escorreu até a nuca, a
vadia se arrepiou todinha. Os dois saíram de casa juntos ao som de Jorge
Drexler.
Eu
virei uma gota de perfume sozinha no mundo. A gota que se perdeu no momento de
perfumar. O espermatozóide que errou o caminho. A gota que perfumou o ar.
Depois dessa desilusão amorosa costumo flutuar pelo mundo, entro pela janela,
saiu pela porta, pego carona com as abelhas, durmo na casa do amigo João de
Barro, converso com o cheiro de pão de queijo, brigo com o cheiro da fumaça de
cigarro, frequento os bares das gotas de perfume francês, brinco com o vapor da
panela de pressão, toco bateria na banda do lança perfume. Faço essas coisas simples
que toda gota de perfume perdida faz.
E hoje estou
aqui, bem aqui.
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