Se é de amor que o homem vive
é amor que nessa vida devo buscar
é para pescar amor que devo lançar minha flecha
é na minha terra que devo dançar com amor
é amor que devo com minha tribo partilhar
mas se não há pescaria
se não há terra
se não há tribo
amor também não há.
Mas sou brasileiro
e aqui sempre se dá um jeito
Se aqui toda terra é boa pra construção
também posso cultivar essa plantação.
Sou igual ao pessoal da capital
do extremo sul
do centro-oeste.
Se sou brasileiro
essa identidade que me é desconhecida de berço
eu não desisto nunca.
Se meus irmãos conquistaram o amor
também posso conquistá-lo
com muito suor e sacrifício.
Devo trabalhar.
Os donos das águas falaram que já posso trabalhar
devo carregar pedra
é amor que nessa vida devo buscar
é para pescar amor que devo lançar minha flecha
é na minha terra que devo dançar com amor
é amor que devo com minha tribo partilhar
mas se não há pescaria
se não há terra
se não há tribo
amor também não há.
Mas sou brasileiro
e aqui sempre se dá um jeito
Se aqui toda terra é boa pra construção
também posso cultivar essa plantação.
Sou igual ao pessoal da capital
do extremo sul
do centro-oeste.
Se sou brasileiro
essa identidade que me é desconhecida de berço
eu não desisto nunca.
Se meus irmãos conquistaram o amor
também posso conquistá-lo
com muito suor e sacrifício.
Devo trabalhar.
Os donos das águas falaram que já posso trabalhar
devo carregar pedra
Para lá e para cá.
Vou comprar o amor
e assim poder viver,
como os brasileiros vivem
de trabalho é que vive o homem.
Vou comprar o amor
e assim poder viver,
como os brasileiros vivem
de trabalho é que vive o homem.
Trabalho metrificado e rimado.
Todo santo dia
Sábado, domingo e feriado.
Os homens donos das águas
irão me ensinar a trabalhar
e quando eu crescer
quem sabe um dia
também serei dono de águas
e terei um rio, uma flecha e muitos peixes
terei minha tribo e minha terra
e se eu aprender tudo direitinho
Os homens donos das águas
irão me ensinar a trabalhar
e quando eu crescer
quem sabe um dia
também serei dono de águas
e terei um rio, uma flecha e muitos peixes
terei minha tribo e minha terra
e se eu aprender tudo direitinho
encaracolar meu cabelo
e me fabricar como argila
quem sabe um dia,
quem sabe um dia,
num futuro próximo,
terei uma barragem e muita energia.
APÓS 22 ANOS. AGORA O MENINO ESTÁ PRÓXIMO DE COMPLETAR SEU TRIGÉSIMO ANIVERSÁRIO.
Amor é coisa que não se dá por essas terras
que não se constrói com esses tijolos
que não se compra com esse dinheiro.
que não se liga a essa energia elétrica.
Aprendi a usar capacete de segurança
a ligar e desligar chuveiro.
Se não trabalhei com terra,
assim como minha mãe,
é porque trabalhei com cimento.
e se meus filhos não gostam de nadar
é porque a queda d'agua é forte
APÓS 22 ANOS. AGORA O MENINO ESTÁ PRÓXIMO DE COMPLETAR SEU TRIGÉSIMO ANIVERSÁRIO.
Amor é coisa que não se dá por essas terras
que não se constrói com esses tijolos
que não se compra com esse dinheiro.
que não se liga a essa energia elétrica.
Aprendi a usar capacete de segurança
a ligar e desligar chuveiro.
Se não trabalhei com terra,
assim como minha mãe,
é porque trabalhei com cimento.
e se meus filhos não gostam de nadar
é porque a queda d'agua é forte
demais para se banhar,
a segunda maior do mundo,
a segunda maior do mundo,
um banco sem madeira e sem fundo.
Mas agora há televisão
há internet, há máquina de lavar.
Aprendi tantas coisas.
O esquecimento foi uma delas
me sinto um imigrante em minha terra.
Aprendi também a poesia
eita coisinha inútil!
eita despropósito apaixonante!
Mas agora há televisão
há internet, há máquina de lavar.
Aprendi tantas coisas.
O esquecimento foi uma delas
me sinto um imigrante em minha terra.
Aprendi também a poesia
eita coisinha inútil!
eita despropósito apaixonante!
Mas agora sem métrica e rima.
Passei a carregar poesia em minha rede
A poesia era minha flecha e minha caça
caça caçada e caça fugida
a caça que ainda irei caçar e a que irei libertar
além daquela desconhecida.
Conheci João Cabral de Melo Neto
Conheci Severino.
Me identifiquei com o Cabra
Passei a carregar poesia em minha rede
A poesia era minha flecha e minha caça
caça caçada e caça fugida
a caça que ainda irei caçar e a que irei libertar
além daquela desconhecida.
Conheci João Cabral de Melo Neto
Conheci Severino.
Me identifiquei com o Cabra
Eita miserável sofrido!
Li tantas vezes Morte e vida severina
que virei Zacarias, virei Maria.
Severino de Maria do Zacarias lá do parque do Xingú.
Sou aquele que é desconhecido, sem nome.
Li tantas vezes Morte e vida severina
que virei Zacarias, virei Maria.
Severino de Maria do Zacarias lá do parque do Xingú.
Sou aquele que é desconhecido, sem nome.
Que é lembrado no seu dia
E esquecido em sua vida.
Mas se Severino era um retirante
eu sou um retirado
Mas se Severino era um retirante
eu sou um retirado
sem o rio Capibaribe para me arrastar.
Só a queda d’agua para me afogar.
E se na minha terra
onde havia tribo
E se na minha terra
onde havia tribo
pescaria, lagoa, flecha,
o amor me é escondido
só me é permitido Morte ou Vida severina.
optei pela morte
o amor me é escondido
só me é permitido Morte ou Vida severina.
optei pela morte
por mastigá-la a cada dia
e por estar mais próxima dos meus trinta.
e por estar mais próxima dos meus trinta.
E SE SOMOS SEVERINOS
IGUAIS EM TUDO NA VIDA,
MORREMOS DE MORTE IGUAL,
MESMA MORTE SEVERINA:
QUE É A MORTE DE QUE SE MORRE
DE VELHICE ANTES DOS TRINTA,
DE EMBOSCADA ANTES DOS VINTE,
DE FOME UM POUCO POR DIA.
João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina (1954-1955).
IGUAIS EM TUDO NA VIDA,
MORREMOS DE MORTE IGUAL,
MESMA MORTE SEVERINA:
QUE É A MORTE DE QUE SE MORRE
DE VELHICE ANTES DOS TRINTA,
DE EMBOSCADA ANTES DOS VINTE,
DE FOME UM POUCO POR DIA.
João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina (1954-1955).
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