Eu
passei pela minha rua, inúmeras vezes. E outro caminho era inviável,
intransponível, pois essa rua é intrínseca a mim, como a minha infância, como
um ser que sou e desconheço. O trajeto se mostra calmo e sereno, assim como os
meus passos. Passados os anos e lua permanece cheia, de paisagens constantes a
minha rua.
O caminho é argiloso, de um
alaranjado que parece refletir o sol, assim como o mar de Monet que abarca a
paleta de tons azuis do céu. A argila pede pés descalços, como se em cada passo
fosse possível esculpir o tempo.
A rua se espreguiça sem um propósito de
final, não leva a outra parte, horizontaliza-se nela mesma.
Eu passo mais devagar que o vento,
como se retardasse o tempo. Na margem da rua, nada mais há além de uma velha
casa, que mais parece um organismo vivo, que pulsa elementos para os cinco
sentidos. Uma cerca de madeira, que não se faz de fronteira, circunda a casa e
o seu jardim. Uma cerca de meio metro, de madeira velha, íntima da terra e dos
pássaros.
As flores do jardim são flores
primárias que se desabrocham em pigmentos de outras naturezas, até formarem um
ciclo cromático com aroma de verão.
A casa, que nunca entrei, que de tão
minha tenho medo de não saber sair, permanece um segredo pra mim, e daqui de
fora ainda não posso ver o livro que repousa na cabeceira da cama.
Mas o mistério ou o êxtase que move
a minha eterna caminhada, de tantas idas e voltas que já não sei quantas vezes
passei, por essa rua e por essa mesma casa que é vizinha de si mesma, essa casa
que é minha, que é tanto história quanto corpo, é a mulher que me espera no
portão, eis o mistério. Uma mulher que muda e não sei aonde vai. Se na ida é
Luiza, na volta é Martina. Eu não sei quando se transforma, se vem de dentro ou
vem de fora. Nunca sei até quando fica e se retorna.
Essa mulher, que também é meu amor,
que não sei se está de saída ou se trouxe consigo um ser de eterna estadia, com
sua casa e sua rua e que um dia vai me convidar para entrar.
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