Dia
01/01/2014.
Show: Saulo, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Passei
por mim, de um grito de tambor.
E
dos passos avulsos,
entre
orlas e ladeiras
diz
a voz de salvador:
Quem te trouxe aqui, Exu?
Saulo,
que é Bahia
e
Gal
que
é para turistas
e
universitários socialistas.
Ilê
Aiyê, Olodum
para
Carolina
um
gingado saliente
suado
e quente, da Praça da Sé
ao terreiro de Jesus
arrocha,
capoeira e axé.
Sempre
novidade, novo o bastante
para
apaixonar mais e mais.
A
ladeira, que se espreguiça em pedrinhas,
e
o azeite de dendê
que
convidam para descer e adentrar vento afora:
“Venha
primeiro dia do ano,
serei
sua Gabriela, sua Tieta,
sua
Dona e sua Flor
Rosa
do Rosário
as
fitas de pedidos comprados.
Venha
meu rei
e
passe
assim
como muitos passaram
e
muitos passarão
pois
sou livre, passarinho
de
nego nenhum
sou
Zumbi de palmas e palmares
Vá
e deixe uma oferenda
para
Exu proteger a minha casa Bahia.”
Vú
que te disse!
Dia
02/01/2014
Show: Olodum, Ilê Ayiê, Daniela Mercury.
O
dia se abre porque é de paz
O
sol, trabalhador que é,
não
se avexe em brilhar.
Os
passos seguem levando,
não
sei o que, para o que vem de ser.
Levam
ritmados, ao som
de
Daniela e do Olodum
o
cheiro noturno da noite passada.
O
sol brilha na face dela,
cada
dia mais bonita, mais verão.
Carolina
não me diz o que sente,
mas
é tão bom cheirá-la
estar
em sua paisagem.
O
sol se põe em seu rosto, faz nascer algo em mim.
Já
não sou o que era, e a possibilidade de ser
aumentou.
É
que uma ilha nunca é cercada por águas,
é
cercada por histórias,
assim
como as pessoas.
As
minhas fronteiras se desfazem a cada dia,
esse
é um dos sentidos da vida.
Desterritorializar-se
sem se esquecer de sua terra. Como isso?
Eu
que sei? Paradoxo da porra!
Ilha
dos Frades, Ilha de Itaparica, cada uma com seu nome,
de
olhar o sol no olho,
encará-lo,
sê-lo.
Cada
uma com seu povo,
sua
paz, seu pai.
Cada
corpo com seu ser, que borbulha
explode,
queima, exala calor,
e
evapora de si.
Corpos
que anoitecem e amanhecem
que
se despedem para voltar no dia seguinte.
Como
esse sol que acabou de se despedir de mim
e
de Carolina.
03/01/2014.
Boteco São Jorge - Rio vermelho.
A
mesa não foi feita para suportar pratos,
talheres
e reunir cadeiras.
A
mesa serve para reunir pessoas,
cada
uma com seu tempero,
com
sua porção de histórias e
experiências
fritas e mal passadas.
Pessoas
de almas cruas e assadas.
O
bar do São Jorge tem dessas mesas, de matar
um
dragão
e
fazer renascer outro dragão chinês.
Carolina
olhava o além,
segurava
com as duas mãos o sono que deitava sobre seus olhos.
Ela
é forte e bela, e adjetivos outros que ainda irão nascer.
A
praia também é forte,
se
não fosse, não teria forças para segurar tanta água.
Água
que cura feridas, na crença de Carolina.
Praia
do forte que nos desarma, nos pacifica.
Um
dia que parece um mês,
que
extrapola as horas do relógio.
Farol
da barra, Pressão baixa, ônibus,
pernas,
café, acarajé,
bolsas,
cervejas, Rio vermelho.
Agora
descanse Carolina, pois te ver dormir
é
o ponto turístico mais bonito de Salvador.
04/01/2014.
Solar do Unhão
Jam no man
Os
sapos devem ser um instrumento inspirador
multiplicador
de línguas, de histórias e de culturas.
Pois
isso então que Jorge Amado,
o colecionador de sapos,
escreveu
tantos livros, fez nascerem tantos personagens.
Amado,
as fotografias de Zélia mostram-te feliz.
De
vários ângulos, com várias pessoas, em vários lugares.
Quantos,
como eu, estiveram aqui
caminhando
por sua trajetória,
o protagonista maior de sua obra,
e também ficaram com a mão coçando para escrever
Uma
Tieta, criar
Capitães
de areia,
Ou
com a língua salivando
por
um bom gole de café.
Carolina não deixou, era bom respeitar minha gastrite.
Aqui,
somos todos sapos.
Quando
entro em sua casa, Jorge,
Sou
e paz.
Carolina
também me convidou
para
entrar em sua casa, protegida por Exú.
Eu,
que sou amor, ainda caminho timidamente,
com medo de sujar o tapete, quebrar um vaso precioso.
Nas
casas de Jorge Amado e de Carolina
a literatura pulsa firme e eu continuo
escrevendo
minha história.
05/04/2014.
Farol da Barra.
Rua da Graça.
No
meio de tanta água,
na
baía de Salvador,
o
maior medo de um peixe é nadar só.
Na
terra, o maior medo de uma pessoa é não se encontrar em alguém.
Por
isso existem os faróis:
para
atracarmos nosso navio num porto de passagem
para
iluminar os caminhos tortos dos peixes tontos
para
salvar as almas perdidas que estão ilhadas em corpos desérticos.
Os
faróis são a única esperança de muitos peixes, que aguardam,
apeixonadamente,
a
sua hora de estrela.
Há
luz para todos, vale ressaltar,
Os
faróis são democráticos, giram redondamente.
O
Farol da Barra é assim, salvador de peixinhos perdidos
E
recanto de casais amantes.
Ser
farol também é possível,
Basta
ter bastante luz nos olhos.
Carolina
é assim:
ilumina
o que tem em volta
e
faz todos se encontrarem, escrevendo sentidos,
imagens
e escuridades.
Porque
farol é assim:
Ilumina
por 5 segundos e escurece por mais 20.
Nos
20 segundos de solidão reside a liberdade, exatamente ali,
onde
se nasce luz.
Agora
Carolina dorme, sentada ao meu lado,
a
caminho de Recife.
Meu
Farol descansa e percorre por seus sonhos de sol e de lua
e
de mar
para
amanhã me contar
mais
um caminho.
06/07/2014.
Recife Antigo.
Parque de esculturas Brennand.
Cidade Tabajara.
Casa da Rabeca - Encontro de Cavalo Marinho.
Recife
não acorda na segunda,
as
portas estão fechadas e as ruas ainda sujas do maracatu de domingo.
Sim,
Recife antigo, velho e desbotado.
Na
rota dos poetas a poesia correu para longe.
Mas
resquícios de estranha civilização habitam Recife.
Pelas
águas do Capibaribe chega-se a terra de Brennand,
Obra
ereta, de sereias, sapos e tartarugas.
Carolina
dá asas às tartarugas e inventa andorinha.
Ela
costuma inventar os sonhos, as conversas,
as
respostas,
como
se para seguir fosse preciso criar, pois viver não é preciso.
Quando
a tradição impressiona mais do que o moderno
É
sinal de que estamos no lugar certo.
Encontrar
o lugar certo é o princípio de encontrar a si mesmo, seja lá no que for,
pois
o lugar certo não é um lugar, é um estado, é uma relação,
a
pura sensação de alívio e alegria.
Assim
foi assistir aos pés descalços sobre o chão batido,
dançar
cavalo marinho.
Num
espetáculo inexplicável.
Quem
eram aquelas pessoas?
O
que aquelas mãos moíam em dias de trabalho?
Ali
todos eram iguais, eram os pilares do lugar
e
a construção da felicidade.
Cidade
Tabajara, rua Curupira: Como vivenciar uma lenda.
07/07/2014.
A
moça bonita da praia de Boa Viagem
infantiliza-se
na areia, brinca
com
sua pipa águia colorida.
Os
sentimentos pairam no ar, levitam.
Estão
fora e por isso existem, porque os tiramos de dentro.
E
Carolina brinca e caminha sem saber o quanto é.
Leva
um sentimento tão delicado, inventado no meu caderno de poesia.
Guarda
o sentimento na bolsa e sacode a areia do pé,
Desce
a ladeira da Sé.
Das
coisas que nascem do chão
e das cordas do violão, cultura e história.
Olinda
sabe o nome que tem, por isso é bela.
O
sol queima nossa nuca, aquece
o que tem antes do pensamento,
para
florescer as ideias boas, que
imagina
o maracatu e o frevo não escutado nas ladeiras de Olinda.
É
só domingo! É só domingo!
Cartola
e tapioca de carne de sol desaparecem do prato,
e aos poucos vamos mastigando o sabor e o sol pernambucano.
Do
ponto mais alto de Olinda vemos Recife e o ontem.
E
aquele sentimento flutuante se materializa em azul,
E
é maior do que o céu, porque tudo nele existe:
Frevo,
maraca, Olinda, praia de Boa viagem
E
amor
Inventado
Também
pulsa,
Também
é infinito.