sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O menino e o carnaval.

No primeiro dia de festas de carnaval
o menino se fantasiou de ave.
Para o menino, vestir-se de outro
era viver o outro, constituir-se enquanto outro.
Por isso ele virou ave.
No fim de sábado o menino falava
a língua dos pássaros.
No domingo dançava desengonçado
como o pisar dos pássaros.
Na terça-feira o menino estava sobrevoando
o mar de gente, como uma gaivota.
Era o menino gaivota, com pena e bico.
Era para isso que servia o carnaval,
para troca de experiencias,
de histórias
de palavras.
E despir-se das roupas
e dos preconceitos.
Assim, o peixe se vestia de lagarto
e ficava lá na pedra
lagartiando ao sol do meio dia.
A formiga se vestia de baleia e
derrubava, propositadamente,
todos os foliões com sua enorme calda.
O pássaro se vestia de cobra,
queria andar arrastado e
sentir o cheiro da terra.
O carnaval era o maior laboratória da vida
cheio de experiências e descobertas.
O menino se transformou em ave
aprendeu ave
respirou ave
respeitou ave
era como se virasse irmão de todas as aves.
Era isso o carnaval para o menino,
ser outro e amar outro, em todos os dias do ano,
porque a única realidade possível era a fantasia.

Marcelo se vestiu de mulher todos os dias de carnaval
dançou
bebeu
gritou
como mulher.
Experienciou e amou a mulher.

Na semana seguinte Marcelo batia em sua esposa,
porque ela sorria alegremente para o padeiro.

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