A história oficial
mutilou a cultura africana
ridicularizou o
indígena e submeteu
a mulher como fiel
companheira do homem
Exterminou o selvagem
o selvagem que fomos
um dia, no sentido mais
presente
da palavra.
Mas o menino queria ser
selvagem.
Alegava desejo de fome
sua apatia o
transbordava
do dedão a
sobrancelha.
E o menino já não
sentia fome de sol,
nem fome de lua.
O menino tinha um vazio
tão grande
e tão profundo no
estômago
que comer o
despropositado fim de tarde era impossível.
Colesterol de angústia
Obesidade de
conformismo
Gastrite de medo
O menino não comia nem
mesmo o sono.
Ser selvagem tornou-se
racional
despiu-se da
civilização
da história contada
pelo caçador
e dançou na selvageria
do sapo
não era um selvagem
como a triste história nos impõe
era um selvagem outro,
tal qual
o pássaro faminto pelo
céu
como o lagarto
faminto pelo sol
e o mosquito, faminto
pelo sangue.
Selvagerizou-se, até
inventar palavras,
tal qual a poeira que
inventa-se ao vento.
Menino pelado e faminto
pelo mundo.
Despiu-se de seu número
de competidor e
não enxergou o outro
como ameaça.
Esqueceu-se um pouco e
foi comer a vida,
de forma tão selvagem
que não necessitava
de espelho para se
reconhecer,
pois se via no outro,
de uma fome tão
faminta
que aprendeu a ouvir
os silêncios dos
caçados da história,
dos condenados ao
silêncio quase eterno.
Desde então o menino
aprendeu a saciar sua fome
com dois pratos de
ouvidos.