Otávio sempre foi uma pessoa, como podemos dizer, sem ventilação. Na sua adolescência, em pleno momento de descoberta de seu corpo e também do corpo alheio, o menino abafado permanecia fechado, sem aberturas para a brisa serena que levantava as saias das meninas espaçosas que cismavam em passar cantarolando sob sua janela.
Mas com o tempo Otávio cresceu e as coisas mudaram, a engenharia do seu corpo cresceu e se transformou numa empreendedora construtora imobiliária, em todo momento construía novas paredes. Uns diziam que era afeto demais, outros resmungavam que era apego exagerado, alguns afirmavam que era só solidão mesmo, e Freud diria que era trauma de infância. Mas acontece que o menino não largava mais as pessoas, construía suas paredes e jogava a chave fora. Não tinha preferências, servia qualquer pessoa que lhe depositava algum título, Amigo, Colega, Namorado, Marido, qualquer tipo de elo formalmente instituído. Era assim, viraste alguma coisa de Otávio e estás trancado, esse era o lema, e o quarto de Otávio continuava abafado. Ele tinha o dom de ocultar os espaços dos outros.
No começo tudo bem, tudo é ilusão. Todos se sentiam livres dentro das quatro paredes de Otávio. O espaço era grande, na verdade nem tão grande assim, mas era o bastante para nos enganar, para nos fazer pensar que somos novidade. As repetições tendem a motivar passadas lentas e a banalização tende a encurtar nossa caminhada. As pessoas não se importavam com o 25m². O sonho de qualquer um é comprar uma casa não é? E ter uma casa não é construir paredes? Limitar o ar, os sons, as luzes e principalmente o acesso, fomentar o prazer de poder possuir e chamar de minha, não é?. Otávio fazia tudo isso muito bem.
Até no sexo era assim, Otávio dominava os espaços do quarto e asfixiava a sua presa. As quatro paredes chocavam entre si, num gesto de maestria não ritmado, e se confundiam, o concreto derretia e se misturava, o calor dos nossos corpos servia como lenha para aquecer o caldeirão. Isso era bom! Até mesmo o tempo se deslocava de seu estado físico comum, o cronológico, caía bem como tempero na eterna mistura do caldeirão.
Otávio devastou terrenos, trancou portas e janelas, emparedou menininhas sonhadoras, construiu seu império, sua construtora doméstica não pagava impostos. Tudo dentro da lei, tudo o que outras Otávios já não fizeram antes. Não fez nada que não lhe fosse permitido. Ocultava o tempo e os discursos, calava a boca e apagava textos, só com as paredes.
Mas seus recursos naturais foram secando com o tempo, talvez por influência do politicamente correto, sua casa de 25m² se transformou em uma pequena kitnet. Diziam que Otávio enlouqueceu com a aparente falência, a produção de sua construtora diminuiu consideravelmente, mas em compensação suas paredes cada vez mais ocultavam e roubavam o tempo, o espaço, a voz e o desejo de suas presas. Houve uma vez, há duas semanas, que sua ex-namorada, questionando a extinção de sua liberdade, gritou: Eu não sou você. Otávio riu com a ignorância da menina.
O que estava acontecendo na verdade é que Otávio estava falido, já não era dono de construtora nenhuma, nem mesmo kitnet conseguia construir mais, nem a si mesmo conseguia prender direito, e isso, para um menino sem ventilação é um horror. No final de seus dias Otávio estava morando num elevador. Estava feliz consigo mesmo, refletia bastante. Ficava vagando entre o céu e o inferno, subindo e descendo. Até que um dia, para ser mais preciso, até que ontem, o menino abafado se desequilibrou e caiu, o chão de seu velho elevador cedeu. Otávio morreu na hora, caiu do elevador e se libertou lá embaixo.
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