Maria poente engravidou-se e ao
invés de criar barriga, diminuiu-se. Esburacou um vazio em seu ventre. E a
criança, que chutava o nada, era como a luz do luar, que ilumina o mar sem ter
luz. Parecia uma barriga em eterno estado de lua minguante. E a menina se
minguava.
Nas
conversas de família Maria Poente explicava É
tudo uma questão de percepção. A lua cheia é a mesma lua que a minguante. Ambas
são completas e redondas. A minha barriga está do outro lado, que ninguém vê,
porque vocês ainda não sabem ver.
Os
vizinhos caçoavam, diziam que se dona Poente continuasse a se esburacar no
ventre, viraria brinquedo de bambolê para as crianças da rua rodarem.
A
sua mãe, ao faxinar a casa, sempre procurava a barriga perdida, devia de estar
em algum lugar, mas nada achava. Desejo a menina também não tinha, nem comidas
escamosas de madrugada, nem guloseimas cremosas na alvorada.
Os
médicos vinham de todo lugar e faziam juras, planos e mandingas, todos queriam
estudar o vazio de Poente, queriam solucionar o enigmático problema e encontrar
a barriga sumida.
Deixem essa criança não estar, que assim ela
fica em melhor lugar. Minha não barriga não é problema, só está do outro lado.
Problemas mesmo são essas verdades espaçosas que não deixam quem é da mentira
viver.
A
criança nasceu e ninguém viu. Nasceu tão vazia quanto a barriga, nem arrebentou
o choro na madrugada. A avó não deu a benção, o padre não a batizou, o médico
não bateu na sua bunda três vezes. Somente Maria Poente conseguia ver sua cria
e carregá-la no colo, trocar a frauda, dar de mamar, ensinar as palavras.
Vocês só sabem olhar com olhos que procuram
a falta e assim nada veem. Essa
criança invisível é tão completa que ninguém consegue ver. O dia em que as
pessoas conseguirem ver o todo, palco e bastidor, quando essa gente tonta puder
ver a completude da lua minguante e saber dar a volta e ver o que tem do outro
lado, assim, talvez, a terra nascerá outra, duas vezes iluminada.