A
gente mora na procura da palavra
que
é pior do que o silêncio
Moramos
um no outro
quando
se fecha o olho
quando
se abre os braços
quando
dormimos com o mesmo gosto
nus
nos
carnavais sem folias
nas
noites de agonias
de
incompreensões
moramos
no cachos loiros
na
barba ruiva
na
viagem planejada
nos
encontros avulsos
na
festa frustrada
A
gente mora sobre a bicicleta
nas
ondas do mar
nus
no
refúgio na sombra
na
luz do medo
no
receio do feito
Moramos
na nossa mãe
a
gente mora com as baratas
dorme
com os mosquitos
vive
sorrindo
Moramos
num apartamento no oitavo andar
numa quitinete
no
alto do morro e no asfalto
num
quarto que se abre em janela
numa
cama torta
Moramos
no sonho do outro
na
flutuação
no
voo
no
mergulho em que a bunda aparece
na
fantasia de baiana
na
carnavalização da razão
na
ilusão, do amor
no
sabor, do amor
na
corda bamba, do amor.
Nos
bambas do samba
na
casa de Noca
na
casa nossa
A
gente mora num peito cabeludo
na
leitura de estudo
na
leitura da poesia
na
leitura de mundo
na
reflexão de tudo
na
euforia da cama
no
pensar, no calar e no jejuar
Nos
desenhos da parede
Moramos
no nó que nos afaga
num
nó que afasta
no
abraço que esquenta
que
alimenta a alma da gente
moramos
em quatro olhos trocando olhares
em
quatro mãos apalpando corpos
em
duas bocas multiplicando beijos
na
confusão das pernas
e
das conversas
Moramos
em corpos
com
músculos e ossos
nos
peitos pequenos
na
cintura fina
no
encontro da esquina.
A
gente mora no que a gente construiu
na calçada
na sarjeta
na
areia da praia
num
precipício sobre os nossos pés
num
caminho para a utopia
Na
queda na pedra
no
joelho ralado
na
queda d'água
no
cortejo cantado
nos
sopros do pífano
nos
passos de tango
no
samba, no forró
e
no sorriso fingido
no
desentendimento estranho
moramos
num acampamento
na
lua cheia
na
trilha perdida
no
trilho de trem
na
trilha sonora
na
semana que vem
na
veia
na
aveia com damasco
Moramos
nos olhos azuis
No
poço azul
no
buracão da cachoeira
guardados
na chapada diamantina
protegidos
pelos deuses
moramos
nas letras
nas
artes
no
cinema, na música, nos malabares
no
queimar do fogo
no
queimar do gozo
no
peixe cru
no
beijo nu
na
verdade crua
moramos
numa arquitetura rizomática
sem
paredes para a morada final
numa
casa muito engraçada
sem
nada
A
gente mora no que nasce e morre
no
que morre e nasce
no
trigo e no pão
e
em todos os frutos que brotam de nós.
Moramos
na individualidade
que
é o alicerce da relação a dois.